TRILOGIA AO CRETINO - Parte II: Esses Críticos Cretinos.

07/01/2018

Saulo Sisnando[1]

Eu já fui crítico. Na verdade, o primeiro salário que eu recebi foi como crítico de cinema. Eu tinha uma coluna semanal num site chamado AdoroCinema.com. O site ainda existe, mas eu não existo mais como critico.

Parei de escrever críticas por dois motivos. A coluna que eu assinava, chamava-se TIRANDO O MOFO e, como o próprio nome diz, era dedicada a filmes clássicos. Ora, não há nada mais sacal para um crítico do que falar sobre bons filmes. Vamos falar a verdade? Crítico gosta mesmo é de meter o pau... É de ser venenoso... Ácido... Ranzinza... Crítico gosta de ser CRETINO (adoro o trocadilho dessas palavras). Eu ficava ali, semana após semana, falando bem de "Uma Rua Chamada Pecado", "A primeira noite de Um homem", "A princesa e o plebeu"... Com um comichão no furico, eu tentava - confesso! - encontrar defeitos em "Casablanca", "A Bela da Tarde", "Os sete Samurais"... E quando eu encontrava um problema... Nossa, que deleite era escrever a crítica! Eu explicava meu ponto de vista, fazia conexões com Tarkovsky, Antonioni, Visconti, citava Eisenstein e, no final, eu tinha o que queria: a minha bronha! Eu finalmente parecia inteligente para quem lia. Mas dava tanto trabalho.

É isso que muito crítico quer: parecer mais esperto que o autor da obra.

A outra razão que me fez abandonar a crítica foi começar a FAZER... Não!, eu não sou do time que acha que todo crítico é um artista frustrado. Mas acreditem: é muito mais difícil executar. Ixi, tem nem comparação.

Eu não possuía essa noção sobre a dificuldade do fa-zer. É tanta minúcia, é tanto detalhe, é tanta coragem que comecei a me sentir estúpido como crítico.

Agora, sendo artista, começo a ter os meus críticos. Super chique, não? E sempre acho muito engraçado como os críticos (da mesma forma como eu era) se acham superiores. Eles chegam ao cúmulo de pensarem que nós, os artistas, achamos que as nossas obras são lindas, perfeitas, irretocáveis. Não é bem assim... Nós sabemos que a obra tem um defeito aqui... Outro bem grande ali... Mais aquele acolá... A questão é que nós decidimos mostrar assim. É aquela velha história do "quem espera o ótimo, não faz nem o bom".

Para não morrer de angústia e continuar fazendo, eu tenho (há tempos) me contentado com o bom.

Uma vez perguntaram para Lygia Fagundes Telles quando, na sua opinião, um conto estava terminado. Ela respondeu: "- Quando está publicado". Pois até esse momento, o artista acha defeitos, corrige, corrige novamente... Então, aparece o botão do FODA-SE na frente (bem ao lado do botão de ENVIAR) e nos livramos da angústia da obra inacabada. Dizem também que quando saiu a primeira edição de "Os Sertões", de Euclides da Cunha, ele virou noites e noites debruçado sobre pilhas de livros apagando, um a um, os erros de impressão. Ou seja, o artista sabe do seu erro... Ele apenas escolhe deixar como está, ou porque ele não tem dinheiro para consertar, ou porque ele não tem maturidade para consertar, ou o elenco não era bom (mas era o que tinha), ou... Ou... Ou... Ou porque, Graças a Deus!, ele não é louco como o Euclides da Cunha, e em vez de corrigir os erros um a um num livro já impresso, foi para casa dormir, sabendo que - apesar dos erros - está bom e querendo não repetir os erros na sua próxima incursão artística.

Então, parem de achar que ferem os artistas ao escreverem isso ou aquilo. Não ferem! Escrevo isso para tirar das costas do crítico esse dever de envenenar, de ser cruel, de ser cretino. A crítica teatral pode ser muito mais do que isso.

Até porque é muito difícil acreditar na crítica teatral (nos moldes clássicos) feita em Belém, onde todo mundo se conhece. Uma metade é cupixa de não sei quem e a outra metade tem raiva do mesmo não sei quem. Aqui, a crítica deixa de ser crítica e vira recadinho. Vou falar mal porque ele sabe que eu não gosto dele. Vou assistir a peça, fazer carão, bocejar, porque eu não gosto do ator. E por aí vai...

Quem lê a crítica de teatro em Belém é o grupo que fez o espetáculo. E aí, fica aquele alvoroço: será que fulano falou bem? Será que fulano falou mal? Não, porque, olha!, o fulano sempre fala mal de tudo!

No final, tem o fulano que fala bem, porque gosta de ti e porque quer fazer uma peça com você, ou porque uma amiga está na peça... E tem beltrano que fala mal, porque não foi com a tua cara, porque brigou com alguém do elenco ou simplesmente porque é um mimado infantil e não assistiu ao espetáculo que queria ver, mas teve de passar uma hora sentado vendo o espetáculo que o diretor e a equipe quiseram mostrar. Aí, jorram aquelas críticas cheias de "o diretor deveria ter feito assim", "o ator deveria ser assado". Se estiver tão cheio de regras e "deveriamentos"... Porque não vai fazer, meu amor? Para mim, não há equívoco maior numa crítica do que dizer como deveria ter sido feito. Pois tira o critico da posição de espectador e o coloca no posto de dono da verdade.

Uma vez tive uma conversa com o Edson Fernando e ele disse que trabalha a crítica por um viés diferente em seu projeto de extensão. O crítico assumindo o posto de espectador comum. Um espectador que nem precisa entender de teatro, mas simplesmente quer escrever o que sentiu vendo a obra.

Acho isso fantástico, pois tira essa infantilidade do "deveria ter sido feito assim ou assado" e, analisa as escolhas da equipe, dizendo apenas "Gostei por isso", "Não gostei por aquilo", "foda-se" e "tchau". Porque todo o restante que se lê em críticas é apenas convite de pseudo-críticos para assistirmos suas punhetas. Clap, Clap, Clap. Parabéns, cara, você escreve muito bem... Citou até Grotowski (aliás, como se escreve o nome desse cara mesmo?)

Bom, vou terminar logo esse texto porque estou exausto, com frio, digitando esse texto pelo celular, em Roma.

A informação de que eu estou em Roma não influencia em nada, mas como estamos falando de ego... É bom dizer que estou em Roma... E, sim!, a cidade é linda... Mas como já vim outras vezes, vou encontrar defeitos no Coliseu e na Capela Sistina.

Desejo uma vida muito longa a Tribuna do Cretino. Precisando de mim, estou aqui.

Abraços romanos,

Saulo Cretino.

07 de Janeiro de 2018.


[1] Dramaturgo, Ator, Diretor e ex-crítico de cinema. Fundador do grupo Teatro de Apartamento.