Desterritorialização – Por Raphael Andrade.

26/08/2018

Montagem Teatral: "Morte e Vida Severina"

Montagem da Escola de Teatro e Dança da UFPA em comemoração aos 60 anos da primeira montagem (1958) pelo grupo Norte Teatro escola do Pará.  

Raphael Andrade[1]

Há 518 anos, houve a desterritorialização das navegações à procura das índias. "Acharam", porventura, em uma terra sem nome onde Deus cagou no atlântico, homens de penas vermelhas e mulheres que não cobriam sua vergonha. Tudo milimetricamente exposto e aformosentado por mãos caucasianas de Pero Vaz, que, por sorte, sabia ler. Evidentemente, para ensinar seus camaradas!

Primeiro, desceram os gentis, bem vestidos com suas roupas cheirando a enxofre derivado da península ibérica. Vendo os paus, trataram logo de meter os seus, o maior era no formato de um X que, inclinado, tinha a imagem de um iconográfico sacro. Ao vê-lo, se ajoelhavam e rezavam: "Ora pro nobis! Senhores do destino e da cobiça alheia". Dos sete pecados capitais? Todos! Perdoai-nos, ou metê-lo-eis o Pau-brasil! Vieram, especialmente para desterritorializar e roubar esse povo miserável, para que aprendam como se imortalizar torpemente nos anais "diacronizados". Analogia ao tempo hodierno? Sim. ANAL(L)OGIA. Calma, explico: O estudo da penetração!

Já os ditos pardos e risonhos, foram impostos a um tipo similar de aculturação, mas por motivos óbvios e "deveras sutis", foram catequizados em nome de uma força maior, que brilhava como ouro os verdes matos desta terra varonil. "Introduzir o Pau-brasil para lucrar!" Pensou Vossa Al-te-za. O mesmo que fugiu para cá, numa perspectiva de desterritório de sobrevivência, mormente ao ver o Napoleão procurar as botas alheias pelas terras de lá. Voltando ao prólogo, temos como cerne a figura de seu Cabral, que após ver os verdes campos desta terra, retumbou: "Terra ã vishta"! Num tom chiado à moda camoniana. A referida terra, perdeu seu caule Tupi e logo aprendeu o Bê-á-bá das terras lusitanas. Perceba, novamente, enculturação inversa no galgar destas terras sem honra.

Análogo ao processo de aculturamento, temos os imigrantes de "livre vontade" como filosofou um candidato politiqueiro asno, ao referir-se aos que saíram de boa vontade da mãe África à procura de apanhar (no sentido figurado; ou não) com suas mãos NEGRAS a colheita do algodão BRANCO. Branco. Branco. Fonte de violência encravada no fundo da nossa história escravocrata. Mas há 130 anos, a lei áurea veio para "libertar". Porém, por ira divina, ou por escárnio dos homens do lugar, não lhe deram terras para morar ou plantar. Mais cognomes de Severinos atrás de território para ocupar.

O Branco que por uma virtude superior (dada por não sei quem) deslocou e retirou das travessias e movimentou os barcos e a vida dos que pressupõe estar sempre à margem. Todavia, a mesma margem que comprime; dá vazão para outras margens, é o BreZil de fora, que nunca observou o país de dentro - MISCIGENAÇÃO - onde mestiço é sempre o outro e nunca é meu irmão.

E no galgar da história, neste espaço habitado, entre arvoredos, litorânea e terra seca de chão pisado, sempre nascem nas ourelas mais um Severino maltratado. Mas, como estas terras de palmeiras, que sempre cantam sabiás, o destino de cada um sofre variação, sobretudo pela miséria e de um devir galhofa(dor) e desgraçado do desterritório de um pau-de-arara imaginário.

Na literatura de cá, mais especificamente nos poemas de um certo Severino cognominado Cabral, mas não o do prólogo, mas o de Melo Neto exposto, aqui, no final. Nos apresenta uma ode ao pessimismo, narrando à indiscutível capacidade de sobrevivência dos retirantes nordestinos. E no imaginário e/ou geográfico deste deslocamento terreno, com prosa e poesia ele nos revela em uma só cajadada: que a única certeza dessa vida Severina nada democrática, é que desde o dia natalício já sabemos sobre o último deslocamento: Quem não morre de morte morrida, falece por apedrejamento.

E no cortejo fúnebre, de mais um irmão de alma, de gente como a gente de pele escamada, só pedimos para o cosmos que tenha pena da nossa pobre alma. E não nos faça na próxima encarnação nascermos venezuelanos em busca de Roraima, porque aqui os imigrantes não têm sorte, alma e não valem nem um tostão para serem enterrados na vala.

26 de Agosto de 2018. 

[1] Ator, Performer e futuro professor desempregado.

Ficha Técnica:

Montagem Teatral: "Morte e Vida Severina"

Poema: João Cabral de Melo Neto.

Elenco:

Adilson Pimenta, Alexandre Luz, Filipe Marques,Keila Sodrach, Nilson Chucre, Ricardo Calderaro, Rosilene Cordeiro, Sergio Sales e Sol de Sousa.

Figurino e Cenografia:

Ézia Neves

Assistente de Figurino:

Cássia Farias

Costureira:

Laura Cardoso

Objetos Cenográficos:

Leno do Miriti

Maquiagem:

Cláudio Didimano

Iluminação:

Sônia Lopes

Assistente de Iluminação:

Jon Rente

Concepção Audiovisual:

Mateus Moura

Operação de Som:

Amanda Modesto

Projeto Gráfico:

Cássio Tavernard

Encenação e Direção Geral:

Karine Jansen e Denis Bezerra