O essencial é invisível aos olhos! – Por Raphael Andrade

07/12/2019

Montagem: A morte do Caixeiro Viajante

Montagem Teatral: Cursos Técnicos em Ator, Cenografia, Figurino Cênico e o Curso de Especialização Técnica de nível Médio em Dramaturgia da ETDUFPA.

Raphael Andrade[1]

Ao me deparar com a obra A morte do caixeiro viajante (Death of a Salesman - 1949), de Arthur Miller (1915-2005), apresentado no ICA - Instituto de Ciência das Artes, pelos cursos técnico da ETDUFPA, considerei: nós, espectadores e, sincronicamente, os que estão inseridos na trama, temos a oportunidade de fazer uma reflexão a partir da arte efêmera teatral que nos presenteia com marcas pungentes. Neste caso, não há dúvidas que este texto dramático é atemporal. Me refiro à obra, porque a mesma carrega a densidade de uma escrita não panfletária do "sonho americano relacionado à busca pelo sucesso", que, por sinal, pode ser visto em terras tupiniquins, afinal, a América do Sul imita a do Norte e considera, ainda, que o que é bom sempre vem de fora em todas as especificidades que esta síntese enuncia - vide a política hodierna e, pasmem, nem precisou Cristóvão Colombo aportar, pregresso, por aqui.

Retornando ao texto, vejo uma linha tênue entre a escrita de Miller e as obras de Anton Tchekhov (1860-1904), pois ambos não apresentam nada de extraordinário para massagear o ego da (do) atuante em cena, que, ás vezes, escamoteia a narrativa por puro narcisismo, algo inerente à profissão, bem sabemos, mas nas obras dos referidos autores, não há "closes", não existe dramaticidade pungente igual a peça Gota d'água, nem comédia bufônica à la Mário Brasini, muito menos simbiose de estilos igual "Bardo do Avon" e nem uma sátira símil de Molière.

Logo, não se faz coesa interação das passagens mais dramáticas àquelas com pequeno lastro de comicidade. Contudo, o brilho, a "explosão", estão presentes internamente nas personas que fazem parte da ação cênica, está no bem dizer cada sílaba que deve ser proferida, além de precisar, externalizar (e internalizar) de forma crível o texto rico em detalhes mesmo que permaneça apenas nas entrelinhas (ah, as entrelinhas...), pois a nuance do texto está em momentos pontuais, quase imperceptível, em que ambos dramaturgos retratam o desgaste cotidiano, o medo, as situações familiares e sociais, além da política de sua época.

Nisto, consiste levar em consideração a seriedade desta obra e do ofício de quem faz teatro, precisa ter coragem e sensibilidade para encarar tais textos, se faz necessária e urgente a consciência de que o teatro ensina, confronta conhecimentos e, em vista disso, a obra detém, também, traços relativos à epistemologia! Mormente em estabelecer uma relação sincrônica e diacrônica em assumir a responsabilidade do que a mesma revela, como as normas, a cultura, valores, razão, mente e linguagem. Outrossim, o texto de Miller desvela o suicídio, o fracasso, o desenvolvimento maquinário e o sistema monetário; o patriarcado, a dúvida; o sistema opressor, o não amparo previdenciário na velhice (olá, Brazel?), a agressão; a esperança de sobreviver em meio ao caos e ademais situações do feliz e inquisidor substantivo abstrato que o ser humano nomeou de vida - que bela dicotomia?!

A obra traz a verdade escancarada, limpa, desumana, hedionda, logo, há desacordo em fantasiar alegoricamente a narrativa, a não ser uma mimese corpórea devaneante do próprio Willy, portanto, desabona a quimera narrativa e, muito menos, uma espécie de celeuma inverossímil. Dentre o sonho americano e o sonho do pau-brazel, perdura a anomia social, existe uma ponte de interesses entre "podres poderes" e, sem demora, os que ficam às margens, serão sempre os maiores (ou os únicos) prejudicados, porém, estes também são contaminados ao estarem ancorados pela latente hipocrisia da crença ilusória da valorização das riquezas materiais, para que, neste enfoque, posam ter algum sentido na pobre (no que se refere aos valores) existência, isto é, uma analogia escancarada vigente por estas terras e por terras outras, mas há quem acredite no capitalismo...

Ao explicitar sobre a obra, o texto apresentado no espetáculo, necessita usufruir duma precisão cirúrgica para cortar um clássico como A morte do caixeiro viajante, para que se tenha, ao menos, uma linha tênue do que o espetáculo deseja explanar, pois o autor concebe sua narrativa através de uma estrutura episódica e fragmentada, portanto, qualquer falha, pode virar um arremedo de textos desconexos narrativos, com lacunas e digressões, que são, decerto, uma forma de fazer teatro que não propícia à intelecção.

Dito isto, quando se fala em realizar um espetáculo e, concomitantemente, como usufruir do texto que se pretende encenar, existe uma tensão dialética entre a obra, a direção, a atuação, figurino e cenotécnia.no qual podem se fundir numa simbiose potente. À vista disso, preciso articular sobre o processo das práticas de montagem da ETDUFPA, em que apresenta um processo metodológico híbrido, no qual há pessoas em núcleos técnicos diferenciados responsáveis pela trama, no qual é demasiadamente importante por ter caráter interdisciplinar, afinal, estamos falando de um espetáculo produzido pela academia. Aliás, que potente iniciativa de ter um curso de Especialização Técnica de Nível Médio em Dramaturgia, em que tem como função ensinar métodos e técnicas para dramaturgos e dramaturgistas, que é uma iniciativa brilhante, ao qual iniciou este ano e faz parte de tal simbiose de cursos. Espero que se preocupem, também, em trazer à tona o regionalismo, mas sem estereótipos.

Após me referir um pouco sobre o potente e urgente texto de Miller, que merece toda a reverência em ser apresentado por cursos técnicos, não poderia deixar de escrever sobre "o essencial que é invisível aos olhos", ou seja, a adaptação do mesmo para incluir um deficiente visual (não gosto da palavra deficiente, apesar da palavra, segundo estudos, ser a mais "adequada", todavia, creio que ele enxergue por vias especiais). Isso nos mostra, como a ETDUFPA está caminhando em passos largos no que se refere a inclusão, porém muito precisa ser repensado, como: alguém responsável em contribuir diretamente com o processo de audiodescrição (a graduanda em teatro, Neire Lopes, realiza um trabalho potente e belo sobre acessibilidade, no qual precisamos, também, valorizar estes profissionais) para os que, desejarem, participar dos espetáculos, e os que, porventura, estarão no mesmo, pois este é o direito de todas e todos.

Esta melhora precisa estar ligada diretamente ao sentido prático, seja a especificidade que necessita ser explorada, qual seja: deficiência visual, auditiva, sensorial e física; ou que detenha alguma síndrome e ademais. Logo, a faculdade deveria desenvolver urgente e profundamente o projeto de incluir e pensar sobre estes que não podem, de forma alguma, permanecerem à margem.

Retornando ao fato de incluir a persona "Ben" (Marco Antonio Mabac), no espetáculo, reverbera no quanto a arte teatral também é capaz de quebrar estigmas sociais que a pessoa que detém alguma deficiência, ou melhor, diferença em ver o mundo, além de possibilitar que o mesmo detenha autonomia e autoestima. Com toda certeza, foi uma superação para o Marco Antonio, no qual era vidente e perdeu a visão há pouco tempo, todavia, não deixou os seus sonhos perecerem, mostrou que é capaz de estar em cena tanto quanto os demais. Isto é uma lição para tod@s nós que fazemos arte. Espero que nunca lhe falte ousadia, meu caro, pois és grande. E, de Antemão, BRAVO pelo ensinamento!

Portanto, o espetáculo A morte do caixeiro viajante nos presenteia com potências do texto à inclusão, representado com instintiva liberdade estética, na pulsão de uma teatralidade sólida na sua intencionalidade crítica de esclarecimento em tempos obscuros... no qual ecoa que a humanidade "não pode partir do jeito que chegou. Tem que deixar alguma coisa" (MILLER, 1983, p.432). Nos revelando que: o essencial é invisível aos olhos.

07 de dezembro de 2019.


[1] Homem de Teatro.

Referência

MILER, Arthur. A morte do caixeiro-viajante. In: MILLER, Arthur; WILLIAMS, Tennessee. A morte do caixeiro-viajante. Trad. de Brutos Pedreira. Um bonde chamado desejo. Trad. de Flávio Rangel. São Paulo: Abril Cultural, 1983.

Ficha técnica:

Montagem:

A Morte do Caixeiro Viajante

Elenco:

Criolinho

Deise Ferreira

Evelyn Naspe

Flávia Samila

Felipe Cordeiro

Joyse Carvalho

Ka Diaz

Kesynho Houston

Lenise Oliveira

Lorena Bianco

Lucas Serejo

Marco Antonio Mabac

Mateus Barata

Melqui Matos

Miller Alcântara

Nicolas Wilker

O Pedro Couto

Romualdo Báccaro

Ruthelly Valadares

Ryan Pardauil

Tamires Tavares

Thyago Lobo

Vanessa Lisboa

Viccy

Victor Sezenem

Wagner Ratis

William Marignam

Yasmin Ramos

Direção:

Claudio Didimano

Karine Jansen

Orientação de Visualidade:

Iara Souza

Figurinistas:

Dani Franco

I. Moraes

Jorgiete Dias

Assistente de Figurino:

Ierece Navegantes

Jacqueline Bonheur

Raphael Arkanjo

Cenógrafos:

Lucas Belo

Marcus Ceza

Prahlada Nrisimha

Assistentes de Cenografia:

Alcinea Martins

Jardel Silva

Júnior Lisboa

Nelma Dias

Paula França

Krishna shakti

Tutoria de Dramaturgia:

Alana lima

Dramaturgistas:

Rhero Lopes

Eduardo Lima

Sonoplastia:

Celso Cabral

Odin Gabriel

Fotografia:

Danielle Cascaes

Arte Gráfica:

Tarcísio Gabriel

Assessoria de Imprensa:

Ana Castro