Viagem de risos de dores - Por Bruno Euller
Montagem Teatral: Joana
Montagem: Grupo Cuíra
Bruno Euller Marlon Costa Oliveira[1]
Ouço os badalos dos sinos da Catedral da Sé... Logo as portas do grande templo se fecham e o silêncio se instaura pelas ruas da Cidade Velha... Um clima frio toma conta do corpo, e os mistérios da rua assolam a alma... Sigo meu caminho numa rua vazia, rua que transborda de uma energia sem igual, um mistério, um suspense... Uma energia tão forte que se intensifica cada vez que me aproximo de um belo casarão, iluminado com cores quentes e com um belo cartaz de um grande espetáculo, que está prestes a acontecer, Joana. Era ali então o ponto de saída de toda a magia, de toda a energia avassaladora, tudo veio de lá, da Casa Cuíra. Este era o meu destino. Ali estaria entregando meu coração a uma "pequena grande" apresentação.
Ponho-me no interior do local, que possui uma arquitetura impecável que só reforça fortemente o brilho do lugar. Sigo em direção à sala do espetáculo e logo a escuridão toma conta. Não vejo nada, mas sinto tudo. Ouço ruídos. Barulhos estranhos, sons de rastejo, sons distantes, acredito que sua origem vem de um porão... Seria esse o começo?
Uma TV se destaca ao meio do tom de noite, com imagens curiosas do que se parece uma gravação de câmera deste mesmo porão que acabara de imaginar. Tudo se confirma: são registros ao vivo de uma senhora assolada, vagando pelos cantos deste pequeno ambiente. Enquanto o corpo vaga pelo espaço sua alma vaga pela solidão... A luz esplendorosa ilumina a sala, brilhando mais fortemente sobre cenário, na qual a dama entra em cena. Ali está ela, a dona da noite, Joana. Que pelas brechas da cortina nos flecha com um olhar curioso.
A quarta parede logo se quebra, com seu contato encantador com o público. Ela logo se apresenta e assim começamos a escutar suas histórias de vida. Uma vida sofrida e assustadora, mas contada de forma tão peculiar a ponto dos fatos parecerem fantasiosos, mas sempre nos mantendo na realidade, a saber, que tudo ali são reflexos de histórias reais, de pessoas reais. Enquanto o riso da planteia crescia diante das pequenas "piadas", no olhar de Joana vejo que seus risos eram desesperadores. Em suas falas ver-se sua tentativa furtiva de normalizar e amenizar cada acontecimento, mas no fundo se via a dor, o desespero, o sofrimento em contar cada ato, ao reviver cada pesadelo.
Olinda Charone nos presenteia com uma direção admirável, trazendo uma narração que transita do diálogo com o espectador para a atuação da memória encenada, num jogo teatral que nos fez viajar, fazendo-nos mergulhar dentro da obra. Não só a atuação como todo o corpo cenográfico fez com que nos sentíssemos dentro da história. A sonoplastia era de hipnotizar, a iluminação, o figurino, o cenário e todos os outros elementos, tão bem encaixados, tudo muito bem elaborado. Sem falar do gato...
Por entre as cadeiras um belo felino transitava, mesmo não sendo mencionado pela personagem e nem estando em cena me fez pensar que o mesmo poderia ser o animal de estimação de Joana. Se estava nos planos da diretora ou não esse pequeno elemento reforçou-me mais e mais o sentimento de presença dentro da obra, de estar no lar da Velha Prostituta, de sofrer consigo, de refletir suas vivências e olhar com outros olhares pra vida cotidiana. O espetáculo nos faz emergir em um mundo sem fim. Construindo em mim a dúvida, se ainda estávamos no grupo Cuíra ou na Casa de Joana. E alcançar essa experiência de flutuar em um espetáculo é surpreendente.
02 de Junho de 2022
[1] Graduando do Curso Superior Tecnológico em Produção Cênica; Bolsista PIBIPA 2022;
FICHA TÉCNICA:
Atriz:
Zê Charone
Marcelo Duarte
Graça Pantoja
Fabiana Nanô Alice Moraes