Curso: 

Iniciação à Crítica Teatral - Caminhos da Escrita

(2020)

Perdura no imaginário do senso comum a ideia de que a "crítica" é sempre sinônimo de coisa ruim, depreciativa, um modo de pensar e falar mal de tudo, encontrar defeitos e/ou falhas em tudo que vê, censurar, condenar, reprovar... A pessoa que demonstra senso crítico, nesses casos, é logo identificada como inconveniente ou, no dizer popular, o "chato de plantão", vulgo "cri-cri", persona non grata nos círculos sociais por ter a mania de estragar qualquer assunto com sua insistente visão crítica das coisas.

Mas se por alguns instantes eu concordar com essa premissa equivocada sobre a crítica - e sobre ter senso crítico -, vestir a carapuça do "chato de plantão" e me permitir problematizar exatamente esse tipo de pensamento enviesado, poderia questionar então: desqualificar a função da crítica e do exercício do senso crítico serve a quem? Depreciar justamente uma atividade que pensa e analisa as coisas, as situações e relações do/no mundo atende a quais interesses?

O exercício e a função da crítica teatral não escapam dessa visão enviesada do senso comum. Nesse caso, o "chato de plantão" é o "crítico teatral", sujeitinho com ar de arrogante, dono de um saber especializado que lhe autoriza a escrever e determinar qual montagem teatral e boa ou ruim. Embora arrogante, ele ficaria sorrateiramente sentado na plateia à espreita de um vacilo, de um deslize, de qualquer erro e/ou desgraça que porventura a montagem teatral sofra para, então, demonstrar seu incontestável domínio na linguagem do teatro. Mas caso isso não ocorra, sua extraordinária habilidade e competência teórica estariam ainda asseguradas, pois ele se dedicará a destrinchar os pormenores da proposta estética, explicando e esmiuçando os conceitos e elementos estruturantes da obra teatral, coisa que o espectador comum - um reles mortal - jamais conseguiria alcançar e entender.

Esse processo de intermediação entre montagem teatral e espectador, curiosamente, afaste da figura do "crítico teatral" àquela antipatia e aversão que o "crítico" - como "chato de plantão" - em geral recebe do senso comum. "- Precisamos do crítico teatral para entender o que assistimos no teatro!" exclamam os leitores/espectadores mais desavisados.

Concordar com essa premissa significa limitar a função da crítica teatral ao papel de facilitadora da montagem e outorgar, exclusiva e categoricamente, ao crítico teatral um saber/dizer sobre a linguagem do teatro; como se o público fosse uma tabula rasa, incapaz de decifrar e apreender os sentidos, signos e elementos complexos de um espetáculo; e como se os artistas dominassem apenas um saber/fazer e não um saber/dizer sobre os seus próprios processos criativos.

Acredito que o crítico teatral pode - e deve - colaborar com a montagem teatral discutindo e problematizando aspectos específicos da linguagem, mas isso não significa que ele seja o único capaz de fazê-lo e, muito menos, que sua função se limite a esse enquadramento formal e técnico da linguagem do teatro. Ora, se uma montagem teatral se faz articulando diversos elementos complexos - tais como: cenografia, figurinos, iluminação, movimentos, gestos, voz, texto, adereços etc. - será muito mais produtivo ter um olhar plural para pensar e problematizar a cena. Então, por que não admitir também o exercício da crítica teatral produzida por um cenógrafo, figurinista, iluminador, atuante, dramaturgo, diretor, encenador ou espectador??? Será que lhes falta senso crítico para produzir uma crítica teatral? E, afinal, o que é ter senso crítico? O que é uma crítica?

Voltamos assim à questão inicial.

Pelo que já foi dito, certamente, a crítica não se limitar a um juízo de valor do tipo "é bom ou ruim", "gosto ou não gosto", "censuro ou não censuro", "condeno ou não condeno" ou ainda "reprovo ou não reprovo". Acredito que a crítica articula um pensamento por meios de questões, discute, reflete, examina e problematiza aspectos que julgar relevantes para o desenvolvimento de uma temática. Mas para que isso ocorra de modo equilibrado é necessário ter sensibilidade para perceber o objeto/sujeito/fenômeno/situação submetido a análise; em outras palavras é necessário observar com acuidade, escutar e perceber as sutilezas envolvidas nas questões, pois sem isso o discernimento se vê comprometido por falta de elementos subsidiários a reflexão. E não seria esse tipo de sensibilidade refinada uma das principais características do senso crítico?

Nesse sentido, criticar pautado apenas por crenças, ideologias e/ou gostos pessoais me parece ir de encontro a própria ideia motriz da crítica. Criticar, portanto, não se limita ao simples ato de emitir uma opinião pessoal. E se por um lado a subjetividade do crítico, obviamente, deve e sempre será preservada, pois a imparcialidade é um mito, por outro é somente através da alteridade que será possível construir um pensamento dialógico e dialético. A escuta, o perceber e/ou o desvendar de uma montagem teatral, portanto, começa pela sensibilidade e não pelo domínio de um saber e um saber/dizer especializado.

E é nessa perspectiva, traçada por Daniele Avila Small no livro O crítico ignorante, que o projeto TRIBUNA DO CRETINO vem desenvolvendo suas atividades e potencializando uma reflexão sobre a produção teatral em Belém. As ações desse projeto de extensão, vinculado ao Instituto de Ciências da Arte, acontecem desde 2015 e, dentre outras coisas, tem provocado artistas da cena, estudantes de teatro, professores, leitores/espectadores a se expressarem por meio de críticas teatrais que tomam como ponto de partida a recepção das montagens teatrais. 

Aqui destaco uma questão fundamental e cara ao TRIBUNA DO CRETINO: entendemos e adotamos a perspectiva do [a partir] e não o [sobre] as montagens teatrais. Mas o que isso significa? Significa que as ações do projeto não estão voltadas para a formação convencional de um "crítico teatral" - àquele com um saber especializado em teatro que lhe garante uma escrita também especializada [sobre] o espetáculo, [sobre] os conceitos estéticos e [sobre] a linguagem teatral -, mas antes direcionadas ao exercício da escrita de críticas teatrais por qualquer pessoa que se sinta motivada a compartilhar suas impressões [a partir] da montagem teatral. 

Quando penso a crítica teatral [a partir] do espetáculo me permito ir com ela, acompanhar suas aventuras e desventuras, não olho pelo buraco da fechadura e sim busco colocar meu olhar [a partir] do centro da própria cena. Trata-se de uma mudança de perspectiva que elimina ou diminui - depende de cada escrita crítica, isto é, de cada autor - a distância cartesiana entre objeto e sujeito. E se colocar [a partir] da montagem abre possibilidades para relatar sentimentos, descrever sensações, narrar as aventuras e desventuras pessoais, revelar segredos que me foram provocados [a partir] da montagem, imaginar minha própria versão dos sentimentos e destinos das personagens, re-fabular a montagem [a partir] de minhas próprias expectativas, enfim, o [a partir] permite uma série de possibilidades para o exercício da sensibilidade.

Ora, se um dos elementos fundamentais da crítica é a escuta sensível para apreender o maior número possível de informações que permitam elaborar uma reflexão apurada das coisas que ultrapasse os limites da opinião pessoal - como dito anteriormente - a perspectiva [a partir] oferece Caminhos de Escrita que consideram e se estruturam por um conjunto de percepções negociadas diretamente com a própria montagem. E desse conjunto de percepções o processo de análise, averiguação, problematização, exame e investigação de quaisquer outras questões temáticas se vê enriquecido, tanto para aprofundar aspectos específicos da montagem teatral - seja da linguagem, dos elementos estéticos e/ou poéticos - quanto para tudo que se coloca para além da montagem, ou seja, tudo aquilo que a montagem te provoca a pensar.

Nos últimos anos do TRIBUNA DO CRETINO tenho exercitado e provocado os participantes do projeto a trilhar por diversos Caminhos de Escrita. Observo que a recepção desse tipo de trabalho ainda é acompanhada de ceticismo que, geralmente, busca enquadrar os textos em qualquer outra categoria - crônica, conto, poesia, carta etc. - menos como crítica teatral. Por isso é necessário seguir com ações de formação que ampliem a compreensão e os novos enquadramentos da crítica teatral na atualidade.

Assim como Daniele Avila, penso que é preciso questionar a separação entre "fazeres, dizeres e saberes sobre o teatro". É por essa perspectiva que as ações do TRIBUNA DO CRETINO seguirão nesse ano de 2020. O curso de Iniciação à Crítica Teatral - Caminhos da Escrita é uma oportunidade para exercitar o olhar e compreensão para este tipo de abordagem.

Todos os interessados são bem-vindos, não importando a área de atuação profissional, desde que tenha o hábito ou queira passar a frequentar as salas de apresentações de montagens teatrais que Belém oferece, espaços autopoéticos gerenciados pelos próprios artistas de teatro, espaços independentes e alternativos que têm se multiplicado nas últimas décadas. Precisamos pensar sobre o teatro produzido em nossa cidade. E quanto mais gente pensamento, melhor.

Evoé.

Edson Fernando  

Serviço:

Curso Iniciação à Crítica Teatral - Caminhos da Escrita

Local: Escola de Teatro e Dança da UFPA;

Período: 9 de março a 22 de junho - Sempre as Segundas-Feiras das 14:30 às 17:30;

Demanda: 20 vagas abertas à comunidade em geral.

Inscrições Gratuitas.

Solicitar Ficha de Inscrição até o dia 4 de março pelo e-mail: cretinofundamental@gmail.com

Mais informações: 996123880 (Prof. Edson)