A Cabanagem que reuniu Barcarena para libertar memórias – Por Rui Cunha

12/08/2025

Montagem Teatral: Batista Em Corpo e Fúria

Montagem: Grupo De Teatro Palha

Rui Cunha[1]

Barcarena-Sede 14 de junho, segunda noite do espetáculo "Batista Em Corpo e Fúria", e mesmo as três noites com fortes chuvas não foram suficientes para atrapalhar barcarenenses de presenciarem as tempestades dentro da gaiola que a cabanagem coloca Batista Campos e corpos de seus revolucionários. Utilizando do salão da comunidade da Igreja Nossa Senhora da Conceição, no bairro de Nazaré, e sabendo da localização, pensei mais de uma vez de ir para um local que não me traz boas memórias devido a angústia de minha breve passagem pelo catolicismo nesta cidade.

Sabendo que a peça iria estar em Belém alguns meses depois, listei motivos positivos para assistir agora neste local, o primeiro motivo foi por já ter ouvido falar sobre a trajetória respeitada do diretor e professor Paulo Santana e seu trabalho como encenador; o segundo por conhecer o trabalho na cena teatral em Belém do ator Kesynho Houston; terceiro pela peça ser em minha cidade, algo totalmente novo para mim em Barcarena; e quarto por previamente saber que a peça é sobre a Cabanagem, que fez desta cidade parte importante do movimento.

Então, munido pela coragem que encontrei no frio da noite, fui para o local do espetáculo e ao entrar no salão, para minha surpresa, era um ambiente totalmente diferente do qual me recordava: as cadeiras estavam na disposição para um palco arena, uma gaiola no centro com vários spots de led ao redor no chão, com luzes criando uma ambientação de noite adentro. Ao me aproximar, sentia um aroma diferente no ar, mas bastante forte de algo queimado, pisei sobre folhas secas para chegar até uma cadeira vazia e sentar; pronto, estou na plateia de um espetáculo. Mas não por muito tempo, pois Batista, dentro do que antes era uma gaiola, agora se transmuta para o porão de um navio em tempestade, que também será sua cela, além das ruas da cidade, mas ao longo do espetáculo percebermos ser sua atormentada mente.

Iniciando com dois atores em cena, mas muitos personagens mortos no fim do espetáculo.

Dentro da gaiola não mais Stéfano Paixão e sim o Cônego Batista Campos, com um recorte em todas as suas trajetórias, o revolucionário nascido no Acará, um dos principais líderes do movimento da Cabanagem. Sua prisão trouxe indignação ao povo e ao publicar uma carta sobre o questionamento dos atos políticos desenvolvidos pelo Governo Imperial, provocou o estopim da revolução, foi perseguido e teve que se esconder, mas acabou por falecer na cidade de Barcarena devido um corte de lâmina que infeccionou.

Em cima da gaiola, mas também em cenas pendurado pelas laterais, em outros momentos dentro e até fora dela, em pequenos instantes com a quebra da quarta parede enquanto servia vinho, Kesynho Houston logo se torna as notícias que o povo ecoava pelas ruas das cidades, as dúvidas na mente de Batista entre ser cônego e ser revolucionário, as dores de um movimento e as mortes de uma revolução.

Dentro da mente do Cônego, em um belíssimo trabalho de sincronia, lutavam cada um com bastões de bambu até quebrar, com corpos cansados e respiração ofegante, mas a cada tiro que se ouvia, corpos de revolucionários eram jogados dos céus até o fundo de sua revolução, e por alguns instantes Batista se encontrava rodeado aos seus pés com sangue do seu povo, irmãos mortos para que uma luta tivesse sentido.

Para composição de nota parcial na disciplina Teatralidades Contemporâneas, destaco que o as cenas ocorrem como fragmentações na mente de Batista, sem uma grande perspectiva linear narrativa. Como Renato Cohen nos explica em sua obra[2] que onde não se trabalha uma grande ação linear, mas um grande tema com um conceito motor a se debater, buscando um elemento que dê consistência para discussão da performance na teatralidade contemporânea.

Nas postagens de divulgação do espetáculo no instagram do Grupo de Teatro Palha se tem a seguinte frase: "A peça promete levar o público a refletir sobre resistência e pertencimento". E ao término, me peguei refletindo sobre a escola estadual Cônego Batista Campos bem próxima do local do espetáculo; sobre o furo do arrozal na frente de Barcarena-Sede, que deságua na praia do Caripi, no qual Batista se escondeu até sua morte; as ruas de Barcarena-Vila Dos Cabanos são nomes de personagens da Cabanagem; na igreja São Francisco Xavier em Barcarena-São Francisco onde os Cabanos se reuniram para planejar a tomada de Belém, além de ser local onde guardavam os restos mortais de Batista e que ainda se encontram os de demais líderes cabanos.

A peça me fez sofrer com os mortos cabanos, me causou angústia entre Batista e sua batalha espiritual, mas acima de tudo mexeu com minha identidade coletiva como cidadão barcarenense. O espetáculo conversa com cada cidade que passa, mexe na sua memória e te faz lembrar os momentos em que passou pelos espaços berço desta revolução. Assistir naquele local me fez ter pertencimento na mente de Batista dentro daquela armação da qual lutava pelo seu povo, fez com que a cada trovão, tiro e respiração a plateia se tornava apenas um Batista Em Corpo e Fúria.

12 de agosto de 2025

[1] Barcarenense, ator teatral, brincante, cosplayer, discente do curso de Licenciatura em Teatro na UFPA e bolsista pesquisador PIBID Interartes-Teatro pela CAPES/UFPA. Crítica teatral produzida como atividade acadêmica da disciplina Teatralidades Contemporâneas ministrada pelo professor Edson Fernando.

[2] COHEN, Renato e Jacó Guinsburg. "Work in process: linguagens de criação, encenação e recepção na cena contemporânea." (1994).

Ficha Técnica

Batista em corpo e fúria

Livre adaptação da obra Batista,

De Carlos Correia Santos

Elenco:

Stéfano Paixão e Kezynho Houston

Figurino:

Ila falcão

Maquiagem e Sonoplastia:

Nelson borges

Iluminação:

Malu rabelo

Realização:

Grupo de Teatro Palha

Direção:

Paulo Santana

Produção:

Tânia Santos