A caminho do meteoro – Por Raphael Andrade

24/09/2018

Montagem Teatral: Dinossauros.

Montagem: Companhia Teatral Nós Outros 

Raphael Andrade Rocha[1]

No espetáculo Dinossauros, do dramaturgo argentino Santiago Serrano, podemos constatar o jogo entre personagens e plateia, não o que estamos acostumados a presenciar nos espetáculos "ativistas" onde o ator fala diretamente com o público à moda brechtiniana, mas de uma forma diferenciada, onde o jogo se executa pelo simples fato de aparentar ser crível as ações das personas e de estarmos conectados, de uma forma ou de outra, com o que o texto aborda. Aliás no voyeurismo também há jogo. A ação de jogar é realizada, do mesmo modo, pela forma que o dramaturgo opta por apresentar o discurso entre Silvina e Nicolas, onde o ponto fulcral se encontra, no primeiro momento, na busca incessante de chamar atenção do parceiro que aparecera do acaso, num jogo continuum de quem desistirá primeiro de tentar ouvir o outro, convergindo para um instante feroz de desnudamento da incomunicabilidade humana. Se o jogo for comprado por ambos, novas possiblidades de erupções espontâneas podem vir à tona. Caso análogo ao tempo hodierno, onde as fragilidades de relacionamentos (além do âmbito amoroso) se dirigem para uma vertente onde não há mais espaço para a sutileza, para a escuta do outro, para a solidariedade. Sim, estamos deixando esses sentimentos serem extintos como os dinossauros.

A linguagem usada pelos atuantes é entremeada por um comportamento ritualizado de jogos e confissões, onde a tônica é transpassada pelo processo de rememoração, mormente na poética do desvelar de sentimentos que nos são intrínsecos e queremos extirpar - a solidão, angústia, o medo e de vivermos acorrentados em uma felicidade pretérita como o da Silvina. Oposto a esse viés, buscamos a esperança, a fé e a relutância em não sermos esquecidos e de tentarmos não esquecer da velha companheira de luta: a tal da felicidade.

A montagem que fica à beira de iminentes riscos de representação monocórdia, encontra um caminho acertado e corajoso por valorizar tanto o material dramatúrgico quanto o trabalho dos intérpretes, divididos por uma coesa luminosidade sem grandes arroubos energéticos gestuais e vocais, sem choque de idade, com o brilhante e seguro eco performático de ambos atuantes de gerações opostas. A solução cenográfica, o visagismo e os figurinos utilizados são simplistas, mas funcionais. O espaço da casa das artes, local onde o espetáculo é encenado, contribui do mesmo modo para um teatro ao "alcance do tato", da respiração e do olfato e isso faz ganhar força potente, sobretudo ao se esvaziar de elementos cênicos (apenas uma banqueta) para que a cena seja mantida num misto de neutralidade, concentrando o vigor nas ações dos atuantes. Ações estas que são delineadas em cada palavra, cada semblante, cada segundo de respiração.

Sem utilizar caricaturas ou iluminação que tente criar uma atmosfera diferenciada para agradar os olhos do público. O texto e a sonoplastia (especialmente da vitrola) são tão apaixonantes quanto, sem cair em excessos e sustentado em sutilezas, onde nem o humor que tem tudo para inclinar-se para o burlesco é apresentado com leveza, portando a plateia ao trânsito de sensações, de traços de vida, de rememorações. A gente até "lembra de lembrar" de fatos que o sistema nervoso parecia não responder mais aos estímulos.

Olho um instante os espectadores ao meu redor, parece que ninguém quer respirar para não atrapalhar o texto, percebo que na primeira fileira todos (incluindo a mim) nos encontrávamos na mesma posição que os personagens. Ouvi certa vez de uma psicóloga, quando prestamos atenção a alguém, tentamos nos espelhar nesta pessoa. E a título de exemplo me explicitou: "quando andamos na rua e estamos descabelados, se alguém nos olha e arruma o cabelo que estava perfeitamente no lugar, essa pessoa idealizou que estaria do mesmo jeito. Por isso havia arrumado o cabelo. E se referindo a outro exemplo, disse que "às vezes, ao estarmos apaixonados, imitamos inconscientemente os gestos ou o tom de voz dos nossos parceiros, uma forma de expressar afeto e sintonia". Portanto estávamos todos sintonizados no jogo cênico. Uma única ressalva foi o momento que Nicolas Boceja e Silvina não corresponde ao estímulo, pois mesmo em circunstâncias complexas, o reflexo humano é de bocejar em resposta, dado este típico de crítico cretino que procura achar algo para se intrometer.

Dinossauros, portanto, nos revela a necessidade que nos encontramos em buscar um meio de sermos ouvidos, de sermos felizes, de voltarmos a nos apaixonar, de voltarmos à infância, de termos contato com o outro, na busca incessante de idealizarmos um futuro regozijante. E alerta, poética e eufemisticamente, que assim como os dinossauros, somos seres que estamos caminhando rumo ao meteoro.

23 de Setembro de 2018.


[1] Ator, Performer e graduando em licenciatura em Teatro pela UFPA.

Ficha Técnica:

Montagem Teatral:

Dinossauros

Dramaturgo:

Santiago Serrano

Direção:

Hudson Andrade e Leonardo Cardoso

Elenco:

Giscele Damasceno e Hudson Andrade

Iluminação:

Leonardo Cardoso

Sonoplastia:

Nilton Cézar

Cenografia e Figurino:

Nós Outros

Fotografia:

Diego Leal

Apoio:

Método Escola de Oratória

Agradecimentos:

Espaço das Artes de Belém e Vaquinha Solidária

Produção:

Companhia Teatral Nós Outros