A Missa Cabana – Por Mario Zumba

17/07/2023

Montagem teatral: Batista em Corpo e Fúria

Montagem: Grupo de Teatro Palha 

Mario Zumba[1]

Final de semana de julho. Reza a lenda que a cidade de Belém do Pará está vazia. Período de férias escolares. O calor abrasador do verão amazônico é um convite irrecusável para que grande parte da população saia da cidade em busca de lazer nas praias e igarapés do interior. Então, não seria prudente marcar uma temporada teatral para estes dias. Ledo engano. Um belo espetáculo sempre terá uma bela plateia. É o caso do espetáculo que cumpriu temporada no Teatro Experimental Waldemar Henrique de 13 a 16 do mês em curso.

Batista em Corpo e Fúria é uma poderosa encenação que mergulha de forma arrebatadora no turbilhão histórico da Cabanagem, trazendo à tona a saga do Cônego Batista Campos e sua ativa participação nesse movimento revolucionário que marcou a cidade de Belém do Pará. Sob a direção precisa de Paulo Santana, os atores Stéfano Paixão e Kezynho Houston cumprem seu ofício com habilidade e entrega, transportando-nos a um ambiente sacro-teatral repleto de significado. A ideia luminosa de pedir que as pessoas se deem as mãos e rezem a oração do "Pai Nosso" logo nas primeiras cenas estabelece de imediato uma cumplicidade vigorosa com a plateia capturando em definitivo a atenção de todos.

O cenário – uma estrutura de madeira tipo gaiola – é uma feliz e acertada escolha. Essa configuração de visual rústico e aparentemente precário sugere uma sensação de aprisionamento, remetendo à opressão enfrentada pelas personagens durante o período da Cabanagem. Além disso, sua simplicidade permite que o foco esteja nas atuações e no enredo, intensificando a imersão do público na história. A interação entre os personagens e a gaiola é visceral, criando uma sensação de confinamento que é ao mesmo tempo opressora e libertadora.

Os atores Stéfano Paixão e Kezynho Houston, atuam com entrega e energia, transmitindo toda a fúria e paixão que permeiam a trajetória do cônego Batista Campos e seu envolvimento com a Cabanagem.

A atuação de Stéfano como o sacerdote Batista Campos é emocionalmente hábil e sem exageros transmitindo as complexidades da personagem. Stéfano mergulha de cabeça no papel, proporcionando ao público uma atuação envolvente, repleta de camadas e nuances. Ele captura a luta interna de Batista, dividido entre suas convicções religiosas e sua conexão com o povo caboclo, além de explorar os conflitos de consciência da personagem diante do poder estabelecido.

Kezynho Houston atua com versatilidade e discrição transitando habilmente entre o povo caboclo, o provocador/acusador e a consciência conflituosa de Batista. Ele move-se pelo cenário com familiaridade e segurança subindo e descendo com habilidade e vigor físico, além de caminhar com desenvoltura no alto da estrutura. Sua interação com Stéfano é fácil e cria uma dinâmica intensa e cheia de tensão.

A direção de Paulo Santana explora o espaço cênico de forma criativa, utilizando-se dos recursos disponíveis para criar uma atmosfera realista e ao mesmo tempo simbólica. Ao longo da encenação, a estrutura da missa é habilmente entrelaçada com a narrativa da Cabanagem, criando uma conexão poderosa entre as referências religiosas e o jogo teatral. A visão artística e sensibilidade do diretor estão evidenciadas em cada detalhe cuidadosamente planejado. É louvável a forma como ele explora a dualidade entre o sagrado e o profano, entre o divino e o humano adicionando camadas de significados à narrativa e incentivando reflexões sobre as relações de poder e resistência.

Batista em Corpo e Fúria é um evento teatral que oferece uma experiência visceral, emocionante e educativa sobre a Cabanagem e seus desdobramentos históricos. A atuação de Stéfano e Kezynho, aliada à competência artística de Paulo Santana, resulta em um espetáculo que impacta e provoca reflexões sobre questões políticas, sociais e morais. Merece ter novas temporadas e novas plateias.

Belém, 17 de julho de 2023

[1] Ator, diretor e dramaturgo;

Ficha Técnica

Batista em Corpo e Fúria

Livre adaptação da obra Batista, de Carlos Correia Santos

Elenco:

Stéfano Paixão e Kezynho Houston

Figurino:

Ila falcão

Maquiagem e Sonoplastia:

Nelson borges

Iluminação:

Malu rabelo

Realização:

Grupo de Teatro Palha

Direção e Encenação:

Paulo Santana

Produção:

Tânia Santos