Algo vem vindo! – Por Hudson Andrade.

20/08/2018

Hudson Andrade[1].

West Side Story (EUA, 1961) é um dos meus musicais preferidos. Meu número favorito é quando Tony canta Something's Coming, "Algo vem vindo. Eu não sei o que é, mas deve ser grande!". Estou com essa mesma sensação ao chegar em casa depois de assistir O Gênio dos Musicais - um tributo a Howard Ashman, escrito e dirigido por Guál Dídimo. É o segundo musical que assisto apenas neste mês de agosto de 2018, algo que muito me felicita.

Perguntar qual a razão de montar um musical em Belém, ou se a cidade tem condições de receber esse tipo de espetáculo é o mesmo que questionar a montagem de uma tragédia grega, Shakespeare, ou ter um festival de ópera (um dia teremos um!). Sempre haverá espaço para nossas lendas e caboclices e deve haver, por estar em nosso DNA, mas nada impede que abramos outras frentes e demos diversidade aos nossos artistas e público.

Também se pode perguntar se há dinheiro para isso. Talvez calcados em referências como Broadway e Hollywood, julgamos assim: elencos gigantescos, pirotecnia, etc. Não acho que dinheiro seja a base desse questionamento. Perguntado sobre porque o Brasil fazia tanto filme de sacanagem, Arnaldo Jabor respondeu que não tínhamos o dinheiro que Spilberg gastara em Tubarão (Jaws, 1975). Insisto que não se trata de dinheiro, mas valores. Hoje a indústria cinematográfica (termo super apropriado) torra milhões em filmes e franquias que não valem o valor de um ingresso. Valores. É disso que se trata. Para ser um recordista em investimentos como a recente montagem brasileira de O Fantasma da Ópera há que se ter bem mais que bala na agulha.

Voltando. Eu particularmente privilegio a atuação, logo, meus cenários são mínimos. Gosto assim. Esse é o recurso de Master Class, sobre Maria Callas, que tem um piano, um púlpito e uma cortina; Cássia Eller, o musical, usa apenas cadeiras. Três se não me falha a memória. Essa é a mesma escolha cênica de O Gênio dos Musicais e assim como no outro musical, faz um desagradável entra e sai com o móvel. A trama se desenrola à italiana, numa caixa preta por excelência, tendo zonas e cenas delimitadas, ou demarcadas, por luz. Um trio de atrizes faz a narração da história e interpreta alguns outros personagens; a história em si, contada quase de maneira enciclopédica por Dídimo, traz Howard Ashman, seu amigo e parceiro de trabalho, Alan Menken, e Fred, namorado de Ashman.

O Gênio dos Musicais é uma biografia bem contada, escrita por quem gosta de musicais e quer encantar quem ainda não se permitiu apreciar o gênero; um folhetim que traz a trajetória de uma vida difícil, os enormes obstáculos para vencer no crudelíssimo show bussiness; as dificuldades familiares e afetivas de Howard num mundo tão vicioso quanto hipócrita. O personagem tem na fama e na glória sua meta de vida, até mais mesmo do que o enriquecimento. Devaneios de imortalidade.

O elenco tem alguns extremos. A fala naturalista de Vinicius Fleury contrasta com a prosódia afetada de Ayrsha Azevedo. O canto suave e melodioso de Tainah Leite se opõe ao cantar falho na dicção e respiração de Vagner Mendes. A leveza em cena de Tárcila Mendes diverge do peso de corpo e interpretação de Yuri Avelar. Como em outro musical recente em Belém, a microfonação tem falhas e acentua as falhas de articulação e finalização de frases.

O uso de figurinos básicos, pretos, é uma sacada muito boa. Se a escolha cênica tivesse se mantido apenas na troca de camisetas de cor, ao invés de acessórios que foram se acumulando até virarem um figurino tradicional na cena do hospital, teria sido mais criativo e bem mais bonito.

Duas notas ainda: a imagem da divulgação oficial do espetáculo tem mais conteúdo homoerótico que a própria representação. A relação de Howard e Fred é asséptica e nega mesmo uma das cenas em que os compositores discutem sobre o casal de A Pequena Loja dos Horrores, que deve parecer apenas um casal para depois mostrar todo seu potencial como um grande casal (a repetição dessa palavra é proposital).

Outra: sou totalmente incompetente para julgar o trabalho de Fleury enquanto técnica, mas absolutamente capaz de me desagradar com sua fleuma em cena. É a segunda vez que eu o vejo protagonizar um musical e desta feita, bem mais de perto, me sinto incomodado em não perceber vida em sua interpretação. Como diria o Gênio de Alladin: "- Poderes cósmicos fenomenais... dentro de uma lâmpadazinha!".

No entanto, como eu disse no começo, voltei pra casa bem feliz que haja uma semente germinando em minha cidade, que vai render frutos de muita arte e muita alegria se se investir de fato nessa seara. Creio que esteja em boas mãos. Dídimo aposta suas fichas nisso e eu não duvido que seja bem sucedido, sobretudo porque tem uma visão sobre o Teatro que muitos não temos por aqui. Se não perder de vista que entretenimento é consequência, uma ou duas gerações além do público de Belém poderá apreciar o que, por ora, só outros Brasis podem curtir. Faço votos, afinal "Onde eu nasci, onde eu cresci, é mais molhado eu sou vidrado por tudo aqui..."

20 de agosto de 2018.


[1] Um cara de teatro.

Ficha Técnica: 

O Gênio dos Musicais - um tributo a Howard Ashman

Elenco:

Vinícius Fleury, Vagner Mendes, Yuri Avelar,

Tainah Leite, Ayrsha Azevedo e Tárcila Mendes.

Desenho de luz:

Breno Monteiro

Desenho de som:

Felipe Fonseca

Fotos:

Felipe Thuan

Marketing digital:

Tina Sâmia

Apoio:

Tiago Fleury, Academia de Música e Tecnologia, Thuan produções

Produção:

Folhetim Produções Culturais

Dramaturgia e Direção:

Guál Dídimo