As redes entrelaçadas de nossa memória, ancestralidades e cultura – Por Claudia Maués

06/06/2023

Montagem: Caboclada à libanesa - O caboclo falador e seu radinho à pilha.

Solo teatral de Helena Cibele Campos 

Claudia Maués[1]

Aqui começa a encantaria do rio e suas possibilidades étnicas e culturais. Um entrelaçar de redes de saberes e místicas que compõe nossa construção de conhecimento cultural. Sim, cultural, pois além dos povos das florestas outro(as) e outros(as) conhecimentos se entrelaçaram em nós da Amazônia.

Assim vi "Caboclada à Libanesa: O caboclo falador e seu radinho de pilha", poética de conclusão da Licenciatura em Teatro, de Cibele Campos, orientada pela professora doutora Karine Jansen. Com a dramaturgia, concepção cênica e atuação de Cibele Campos. Acompanhada pela Clínica-artística: clínica do sensível de Wlad Lima. Cenografia e iluminação de Ricardos Torres.

Um entrelaçamento de culturas que se compõe em outras culturas, como a Libanesa e, faz parte dessa ancestralidade de Cibele Campos traçando a estrada de águas que trouxe seu pai, sr. Mario Campos e sua família para a Amazônia e para Belém, no Pará.

Paes Loureiro, em seu poema: "Busquei", pode ser exemplo, dessa poética construída por Cibele Campos, em seu trabalho de Conclusão de Licenciatura em Teatro, quando o poeta, em sua poética tão amazônica diz:

Busquei no olho d'água/ a primeira palavra/ e a língua represada em sua fonte. /Busquei no canto/ em língua submerso/ o verso essencial. / Só o poema resgata/ em líquidos abismos/ a primeira palavra/ o peso do passado/ e todos os tesouros de fonemas/ que a jusante sepulta pela foz./ No leito do poema/ encantarias brotam das palavras/ quando o rio se põe a cantar. (PAES LOUREIRO, 2008, p.155)

Cibele Campos, tal como o poeta, Paes Loureiro, "Busquei no olho d'água", buscou através de si, "sr. Mário"[2]; na música "Busquei no canto" e "em língua submerso" todos e todas os que compuseram sua memória, sua ancestralidade libanesa.

O cenário é simples, mas repleto de simbologias, composto por: um encerado, um plástico muito usado em barcos, em nossa região, cor de terra, que poderia representar o rio ou mesmo a terra em si, em que os libaneses aportaram.

Dois tablados de palete, duas varas de madeira, com pregos na ponta, que eram penduradas as garrafas plásticas, com os líquidos coloridos, que ora representavam produtos vendidos pelo pai da atriz, ora uma rede de pescaria, usada pelos seus ancestrais libaneses.

Um banquinho de madeira ao centro, um pandeiro com fitas coloridas, que marcavam o ritmo das músicas cantadas pela atriz ou faziam a sonoplastia, das histórias contadas pelo seu pai, no percurso e chegada realizada na Amazônia, uma radinho de pilha, um remo, uma luminária, que lembra os faróis que ficam em alto mar ou nos rios para que as embarcações não se chocassem ou que avisam que estão próximos da "terra".

As vestimentas, da atriz, uma blusa surrada e um short, representavam as roupas, simples, de um homem, do povo e, que trabalhou muito para, na simplicidade, garantir o "pão de cada dia" para sua esposa, seus e suas filhas e filhos.

Também, havia o colorido de garrafas plásticas, com líquidos de várias cores e perfumes que representavam um dos produtos que o pai da atriz vende, até hoje.

O que trouxe ao cenário, uma riqueza, leveza e alegria, tão características, da pessoa do sr. Mário, que através da encenação da atriz, as histórias contadas por ele, fizeram o público rir e aplaudir um homem, simples, mas tão cativante que se personificou para a plateia, naquele momento.

Mas, o espetáculo, não fica somente na poesia. A atriz, diz das dificuldades encontradas por esse povo, libanês, que aportou em nossos rios amazônicos. Fala e desenha, através do seu corpo a história de seus ancestrais, de seu pai e de sua família que residiram no Jurunas, um bairro em Belém do Pará.

Fala de sua vó "Flor", dos encontros das águas do Rio Guamá e do Rio de São Domingos do Capim, aonde acontece a Pororoca (grande onda de alguns metros de altura que ocorre, em certas épocas, no Amazonas, perto da sua foz), do lugar Jabuticacá (um Igarapé e nome do lugar em que viveu sua vó e tios e tias).

(...) meu pai conta que quando queria tomar banho em águas quentinhas, mergulhava no Rio Guamá e quando queria mergulhar em águas geladinhas, ele mergulhava nas águas do Jabuticacá (...)

Todo o espetáculo é tocante e poético, entretanto, a passagem, em que a atriz conta que brincava com sua irmã e irmão, no quintal de sua casa, no Jurunas, marca a presença de significado do sobrenatural, no espetáculo, "caboclada à Libanesa O caboclo falador e seu radinho de pilha", em que a vó Flor, aparece para sua irmã, no quintal e, logo em seguida, uma pessoa avisa do falecimento de sua avó.

Enfim, a atriz Cibele Campos mostra como saberes podem ser transmitidos e reconhecidos como "prática pura sem teorias", segundo Dukheim, "mas também é verdadeiro quanto ao que se ensina nas sociedades com escolas".

Um espetáculo simples, poético, mas entrelaçado de muitos saberes, culturas e de muitos "em -red (e) amentos" entre povos de várias nacionalidades, que aportaram na região amazônica e, construíram juntos com os povos das florestas nossa cultura amazônica.

06 de junho de 2023

[1] Graduanda do curso de licenciatura em teatro UFPA; participante da oficina de crítica teatral "Exercícios de escrituras" – Projeto Tribuna do Cretino;

[2] sr. Mario Pai de Cibele Campos.

Ficha Técnica:

Dramaturgia /Concepção Cênica/Atuação:

Cibele Campos

Acompanhamento Clínico-Artístico:

Clínica do Sensível

Wlad Lima

Cenografia/Iluminação:

Ricardo Torres

Luminárias Náuticas:

Cett

Orientação de Pesquisa:

Karine Jansen