Atos, memórias, lapsus e experiências – Por Claudia Maués
Leitura/Espetáculo: Lapsus
Montagem:
Cia2
de Teatro
Claudia Maués[1]
PRIMEIRO ATO:
Muito despretensiosamente, fomos convidados a ouvir uma leitura dramática em nossa casa de Mosqueiro. A realização, dessa leitura, naquele ambiente, tão aprazível para nós, em companhia de amigos, amigas, filhos e filhas e, ainda vindo de Marton Maués e Mario Zumba, como dizer não!? Eles afirmavam ser um ensaio, um projeto em andamento: aceitamos, na hora!
Quando a leitura dramática começou, todos e todas ficaram muito atentos (as). Em cada momento da Leitura, um silêncio invadia o espaço físico, o vento, a luz em nossa varanda favoreciam o clima das interpretações.
Nossas memórias e sensações foram acionadas pelas interpretações dos atores. Em cada um, as vozes dos atores e a história, estimulava um desenho da realidade vivenciada por nós ou de um futuro que o envelhecer poderia nos trazer.
Nem percebemos o final da leitura. Aquele momento tinha paralisado. No entanto, a emoção estava ali, gravada em cada olhar, em cada movimento, em nossas respirações, em cada palavra que foi sendo dita.
Quando os atores perguntaram o que tínhamos sentido? Nossa!! LAPSUS!!!!! Os depoimentos foram carregados de memórias e possibilidades afetivas, de lágrimas e de reflexões do presente e do futuro que nos marcam ou que nos afastam ou aproximam de pessoas que amamos.
A ideia de realizar a leitura dramática Lapsus não era mais um sonho, mas sim uma realidade. A Arte Teatral, de certa forma, também tem um papel semelhante no diálogo direto com a vida. A leitura nos tocou profundamente, com uma grande emoção e comoção! O projeto era uma realidade que para nós já havia dado certo.
SEGUNDO ATO:
Em um ambiente mais urbano, Lapsus segue. Agora, o projeto era concreto: os atores ofereciam a Leitura Dramática em domicílios, espaços de amigos, que deveriam ser agendados. Assim o fizemos: a plateia pronta, a cena começa. Dessa vez, com mais elaborações: figurinos adequados, que caracterizavam um senhor idoso, um filho, de meia-idade, que cuida do pai, que envelheceu e, perde parte de suas memórias. Um cenário organizado com móveis de nossa casa mesmo: duas cadeiras: de frente uma para outra, um tapete. E uma canção, acentuando a emoção final.
A história conta a trajetória de vida de pai e filho e, de como um padrão social afeta tanto as relações humanas. De como tradições estabelecidas em uma sociedade, não aceitam as diversidades que cada um de nós trazemos em nossos corpos. Como em certas fases de nossas vidas, algumas atitudes podem ferir tanto, a nós e aos outros, chegando até a adoecer mortalmente alguns. E o envelhecer pode ser o momento que podemos refletir sobre tudo o que passamos e vivenciamos em nossas vidas e nas dos outros.
Aquela Leitura dramática falava de preconceito, de homofobia. De como pai e filho tinham sido marcados por uma sociedade preconceituosa. "Não quero ter um filho in-vertido", diz o pai. A sociedade não nos quer "vestidos" de nós mesmos.
O texto Lapsus nos envolve em um cenário, que vai além da homofobia, faz-nos adentrar em nossas memórias afetivas ou não afetivas. Em fragmentos de nossas vidas, do passado, presente e futuro. Mais uma vez, ao final da Leitura Dramática, os relatos de uma plateia que estava atenta a tudo foram carregados de emoção.
TERCEIRO ATO:
Agora, o texto não era mais Leitura Dramática, era uma Leitura-espetáculo, Lapsus; contudo, sua recepção continuou a nos tocar. Desta feita, foi introduzido um prólogo que elucidava alguns acontecimentos do texto, da leitura, sem deixar, no entanto, de enriquecer mais a história, o espetáculo.
Ali, naquele espaço da Casa dos Palhaços, todos e todas presentes demonstraram o quanto se emocionaram com a leitura. Dessa vez, havia mais um elemento configurado por um lenço que os atores usavam ao apresentarem duas cenas em flashback, em que aparece a outra personagem, a mãe: a primeira vez, interpretada por Marton Maués, em diálogo duro com o pai, que não aceita a orientação sexual do filho; a segunda vez, interpretada por Mario Zumba, ao conversar com o filho sobre a gravidade de sua doença. As cenas acontecem em momentos diferentes e o lenço é o elemento cênico que caracteriza/simboliza a personagem mãe, sendo passado do ator que a interpreta primeiro para o ator que a interpretará depois.
A mãe na Leitura Espetáculo defendia seu filho, contra um pai ou uma sociedade que delimita a natureza que há em cada sujeito. Natureza esta, impossível, muitas vezes, de ser escondida ou contida. Nesse "esconder-se" sofre, "magoa-se", na pressão de um mundo que não é o seu de verdade, pois um indivíduo não pode ser tolhido de SER.
Apesar de compreendermos que Lapsus aborda a temática do preconceito, da homofobia, é um espetáculo que pode ser pensado com várias possibilidades. Uma delas é de um futuro que todos e todas nós iremos vivenciar: o envelhecer. Esse, requer cuidados, acolhimentos. O que nos faz refletir, também como, na idade em que nos consideramos jovens, estamos convivendo e tratando as pessoas que estão próximas de nós.
Lapsus é um alerta sobre essas relações, uma reflexão da própria vida. Mário Zumba, que concebe a dramaturgia, foi sábio em nos trazer as possibilidades que percebemos na leitura, para reescrevermos um novo mundo, uma nova sociedade possível e mais respeitosa.
Todos os nossos "Atos" em nossas vidas devem ser pensados e refletidos. Preconceitos devem ser discutidos e combatidos. Silenciados, apagados das sociedades. A Leitura Espetáculo Lapsus é necessária sempre! Que venham outros atos, novas cenas, novos prólogos e novas emoções e, sempre, a esperança de nos tornarmos melhores.
26 de junho de 2023
[1] Graduanda do curso de licenciatura
em teatro UFPA; participante da oficina de crítica teatral "Exercícios de
escrituras" – Projeto Tribuna do Cretino;
Ficha Técnica
Elenco:
Mario Zumba e Marton Maués
Texto:
Mario Zumba
Direção:
Marton Maués
Execução do tema musical instrumental:
Luiz Pardal