Bodas: Espectadores à procura do sangue – Por Arth

15/01/2024

Montagem Teatral: Bodas de Sangue

Montagem: Escola de Teatro e Dança da Universidade Federal do Pará – ETDUFPA 

Arth[1]

O espetáculo Bodas de Sangue, produzido por professores, alunos e técnicos da Escola de Teatro e Dança da Universidade Federal do Pará (ETDUPFA), é uma adaptação da obra, de mesmo nome, do dramaturgo espanhol Federico Garcia Lorca (1898-1936). A peça compõe uma trilogia que é composta por outras duas: Yerma e A Casa de Bernarda Alba – esta última, também, foi encenada sob a mesma direção, no ano 2018. Mas o enredo de Bodas de Sangue, brevemente, conta a história de uma moça que mora isolada no campo com seu pai, está noiva de seu vizinho que vive com sua mãe emburrada pelos traumas da morte de seus filhos e marido para guerra, mas no dia da bodas da moça o seu ex-noivo reaparece, os dois fogem e começa uma série de perseguições. Enfim, vamos dando início a crítica cretina...

Bodas de se vira

O espetáculo, que tem as professoras Karine Jansen e Larissa Latif como diretoras, surpreende pela escolha do espaço não convencional que promove uma outra dinâmica de expectação para o público que precisa, por conta própria, costurar as cenas que acontecem simultaneamente, pela grande e histórica casa, localizada na Avenida 16 de Novembro, conhecida como Casarão do Boneco.

Mas antes de dar continuidade, preciso dizer que nenhum espetáculo produzido pela ETDUFPA, no ano de 2023, foi tão aguardado pela autoria desta escrita que vos tece, cuidadosamente, as impressões mais aguardadas do ano, justamente pela proposta experimental diferenciada.

Adoro fazer as perguntas, as vezes entojam, haja paciência, mas é sempre bom buscar entender o mais fielmente possível, aquilo que o outro quer comunicar, afinal, não estamos na mente de ninguém para entender completamente aquilo que o outro realmente quer dizer. Logo, percebe-se que o questionamento "Será que agradou ao público?" não condiz com a nossa forma de produção de arte local – creio eu, dada a nossa ânsia pelo teatro experimental – apesar de tentativas por um teatro realista, os experimentos forçam sairmos do eixo, as nossas investigações e realidades inventivas nos levam para outros âmbitos como o surrealista, por exemplo, já previsto na dramaturgia escolhida para a turma do Técnico em Teatro de 2023 encenar. Com isso, desdobra-se o questionamento para: "Será que essa proposta funciona?" – Creio ser o mais adequado a se fazer no momento.

Fui assistir ao espetáculo, pela primeira vez, no dia 10 de dezembro de 2023, às 19 horas e, como de costume, os atores e atrizes "coringavam" alguns personagens, por isso a importância de alegar a data em questão. Não foi me dito ao entrar no local que havia uma espécie de guia que poderíamos baixar para nos auxiliar, mas, para mim, tanto faz como tanto fez, eu estava obstinado mesmo na busca pelo desafio proposto ao espectador de desvendar a ordem das coisas por minha própria conta.

Supostamente, como dito, a responsabilidade de fazer a trajetória do percurso está por conta do próprio espectador, independente de auxílio do guia, o fato é que a pessoa enfrenta algumas dificuldades na compreensão requerida na costura das cenas – aparentemente, selecionadas e dispostas em uma forma um pouco confusa – pelo menos nas cenas iniciais. Para quem tem uma percepção de mediana para boa, muita coisa só faz sentido na penúltima cena.


Bodas de empecilhos

As cenas acontecem simultaneamente, espalhadas pelo Casarão. No todo são 6 cenas que iniciam, seguem, terminam e reiniciam, como um looping infinito – a impressão que tive ao assistir pela primeira vez era como se eu estivesse visitando uma versão do Inferno de Dante: um círculo de visagens revivendo a mesma situação infernal que ocasionaram as suas mortes, repetidas vezes.

Por conta da dinâmica, os atores (por sinal, muito bons em projeção) sobrepunham suas falas às cenas que aconteciam no cômodo ao lado, criando um certo atordoamento, com exceção da penúltima cena que além de atravessar a casa num cortejo, acontecia na Arena dos Tajás – espaço "mais adequado" para um espetáculo desse porte, por se tratar de um anfiteatro – entretanto, é notável que a cena 3 que iniciava na janela, próximo a escada de entrada da casa e tinha sua continuidade na grande sala, sofria graves interferências das cenas 4, 5 e 7.

Quando a casa lota, é improvável que os espectadores consigam ver as cenas todos juntos, alguns espaços pequenos exigiam que algum grupo de pessoas não permanecesse, como foi o caso da cena 2, na cozinha, perdendo a sequência lógica com a necessidade de antecipar uma outra cena com "menos público" na expectativa de conseguir assistir a todo o espetáculo.

O tempo corre. Corre tentando entender onde as cenas têm seu ponto inicial, minando o tempo, resultando num espectador que não consegue assistir a tudo num único dia. A estratégia é que você volte outro dia, mas acredite, ainda assim, o espetáculo vai terminar e você não vai conseguir assistir tudo na íntegra.

Bodas de técnicas

O espetáculo teve sua segunda temporada, agora, no início de 2024, qual retornei para seguir a minha missão de, dessa vez, acompanhar a sequência proposta no guia. Fui ao dia 12 de janeiro, no mesmo horário, 19 horas, e mesmo sem haver a necessidade de procurar conexões entre as cenas, sabendo quando uma começava e a outra terminava, não foi possível assistir tudo na integra. A regra é clara: assista ao que puder.

Sobretudo, percebeu-se que a falta de sequência lógica percebida, anteriormente, entre as cenas seja proposital, no intuito de que elas por si só tenham autonomia interpretativa, de forma isolada, é como se cada cena fosse um espetáculo em si, levando a cogitar que ali a experiência oferecida é de 6 espetáculos em um – um possível primor aventuresco para quem é fã de teatro.

O texto a ser interpretado possui uma poesia intensa, que qualquer pessoa que ouça deguste com vontade. O espetáculo, apesar da confusa acústica, é gostoso de estar e ouvir ali como as palavras do texto escorregam pelas bocas de alguns atores e atrizes. E o que seria do texto se não bem trabalhados pelos bons atores desse elenco? Como já posto, são ótimos na projeção, articulação e a atuação. A cena que sinto que mais cativou foi a 7ª que acontecia no bosquinho numa passagem estreita ao lado da casa. Como não sentir a emoção que dois fugitivos cheios de tesão transpiram pelos poros? Entendam, anda muito frio por conta da chuva em Belém, tomem cuidado.

A cenografia muito bem trabalhada, os artefatos escolhidos, os móveis e objetos construídos esbanjam realidade. Foi uma pena aquele queijo daquela cozinha incrível não ser de verdade! A sonoplastia condizente em todos os momentos contribuía ambientando perfeitamente todas as cenas. O figurino contribuiu muito ajudando a dimensão existencial de alguns personagens, no sentido de perceber que alguns personagens eram os mesmos só que interpretados por outra pessoas, justamente, porque possuíam o elemento bem característico como o figurino.

E aqui um salve muito bem-merecido para participação especial de Ana Flávia de Mello Mendes que abrilhantou ainda mais a penúltima cena servindo um show belíssimo de flamenco amazônico.

Espaço para se comemorar as bodas

Aqui se responde ao questionamento feito lá em cima. A resposta é clara: toda a suspeição de que o projeto pudesse não dar certo efetivou a curiosidade de quem foi para comprovar que o teatro experimental está mais vivo do que nunca, independente da vertente. Apesar dos apontamentos, o espetáculo chegou a ter um superlotamento e caiu no gosto, o que demonstra o sucesso quando se quer inovar, isso está em alta e precisamos mais do teatro que sai do quadrado, do palco, da caixa preta, dos anfiteatros (não completamente), mas invadindo uma possível casa. Agora, nós temos um outro modelo de como fazer.

15 de janeiro de 2024

[1] Artivista. Formado em Letras - Língua Portuguesa, pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Discente do curso Técnico em Teatro e da Graduação em Licenciatura em Teatro, UFPA. Bolsista no projeto de pesquisa "Entre a máscara, a quimera e a ciborgue: inventar corpos insurgentes para desmontar políticas de morte".

FICHA TÉCNICA

Bodas de sangue

Elenco:
Adrynny Oliveira, Adriana Moura, Borblue, Brenda Gonçalves, Brunno Euller, Celeste Volúpia, César Augusto Rocha, Dara Teles, Fernando Gomes, Gabriel Serrão, Jaiane Silva, Jéssica Brito, Julianne Stael, Kaleb Nobre, Kamyla Mello, Karlos Eduardo, Kauã Marques, Leo Monteiro, Leonardo Sousa, Luana Valadares, Madu Sousa, Maria Ester Ribeiro, Marta Pederiva, Marcelo Rudolph, Pedro Cordeiro, Suzi Lacerda, Thaissa Costa e Yas Laranjas

Direção:

Karine Jansen e Larissa Latif

Dramaturgismo e Preparação de Elenco:

Lennon Bendelak

Coordenação de Cenografia e Iluminação:

Iara Souza

Cenógrafos:

Larissa Figueiredo, Lucas Costa, Beatriz Melo, Jully Campos, Francisco Sousa e Higo Youri

Cenotécnicos:

Victoria cordeiro, Leonardo Mendonça, Socorro Lima e Adriana Jordana

Assistente de Iluminação:

André Gaia

Assistente de Cenografia:

Sueli Nascimento

Coordenação de Figurino:

Ézia Neves

Orientação de Modelagem e Costura:

Rose Diniz

Figurinistas:

Jack Barbosa, Raiane Barros, Luiza de Marillac, Suelen Lucelina e Rosana Alves

Assistentes de Figurino:

Yara MacDonald, Maria Furtado e Ana Paula Bastos

Sonoplastia:

Claudia Mauês, Elcio Lima, Thyago Rosário e Marvin Muniz

Participação Especial:

Ana Flávia de Mello Mendes

Novos Atores (Segunda Temporada):

Eliane Gomes, Lennon Bendelak, Nilton Cézar, Patrícia Pessoa e Rapha Rodrigues

Novos Sonoplastas (Segunda Temporada):

Jam Sancas, Luana Mayara, Madson Santos e Rosa dos Anjos