Como JOANA chegou na mente... – Por Arth

21/05/2025

Montagem Teatral: Joana

Montagem: Grupo Cuíra do Pará

Arth[1]

A chegada de uma mulher que, no Galpão João Ramos de Guapindaia – ponto cultural e casa do nosso querido Tem-Tem do Guamá – encara gentilmente uma por uma das pessoas ali presentes, pressuponho ser Joana... Mas, antes, Olinda Charone, a diretora, havia indicado a motivação de criação, o livro "A Leseira Itinerante: Como um psiquiatra desbravou a cultura manicomial no sul do Pará" de Fabiana Nanô e Priscila Pesce, qual narra as histórias do psiquiatra Raimundo Geraldo Salles e seus pacientes no sul do estado, que inspira a dramaturgia escrita por Edyr Augusto. Eu não li a obra, mas acredito que nem todas as histórias caberiam num espetáculo, mas uma que acredito ser muito especial foi escolhida, a história de Joana, pseudônimo em respeito a identidade de mais uma vítima silenciada da sociedade, é a mulher que chega gentil encarando uma por uma das pessoas ali presentes...

Joana se faz diante de nós com uma simples locação. Eu lembro, uma vez, de assistir ao mesmo espetáculo no Teatro Experimental Waldemar Henrique, havia muitos elementos, para condizer com o espaço talvez, mas estive igualmente diante de uma outra simplicidade, não pela escolha do espaço ou elementos escolhidos para ambientar, mas, como indicado pelo próprio dramaturgo ao anunciar o retorno do espetáculo com uma nova roupagem: "Agora não há mais a casa, física, e suas cortinas. É a atriz e seu texto. A atriz e seu balé corporal." (Proença, 2025)

Por isso, sinto que assisti Joana, desta vez, com o mesmo sorriso que eu assisti da primeira, encarando hipnoticamente a atriz Zê Charone que não me deixava tirar os olhos dos olhos dela, nem os ouvidos. Eu não queria perder nenhum movimento, nenhuma prosa, nenhuma anedota, nenhum causo trágico que a atriz/personagem entregue consegue nos contar de forma que emitimos gargalhadas ao mesmo tempo que, internamente, nos propomos a pensar: como alguém foi capaz de aguentar tanto?

Esse questionamento nos leva, acredito, a um dos temas propostos, que, coincidentemente, combinaram em datas: a apresentação aconteceu no dia 17 de maio (sábado) às 19h, no local já mencionado. No dia seguinte, 18 de maio (domingo), foi o dia da Luta Antimanicomial, julgo importante registrar aqui essa coincidência. A Luta Antimanicomial é um movimento que visa a luta por direitos das pessoas com sofrimento mental, me faz olhar com mais delicadeza a condição de vida da personagem apresentada, que de alguma forma se reflete entre outras tantas vidas espalhadas por esse Brasil e pelo mundo. Quantas pessoas parecidas com Joana são postas nesse lugar de exclusão e de falta de compreensão?

De Goiás até Tucuruí, no sudoeste do estado Pará, uma viagem em torno de um mundo perigoso e de injustiças que condicionam mais ainda o seu sofrimento, a pouca expectativa de vida e a justificativa de existência. Há uma outra denúncia aqui, diz respeito a construção da barragem e de como essas grandes usinas hidrelétricas são capazes de impactar negativamente a vida que há em torno dela: quilombolas, indígenas, ribeirinhos e pescadores precisaram se locomover por promessas que nem foram totalmente cumpridas. Assim, Joana se depara em algum momento com a solidão da exclusão, quase como alguém que chega para sentar-se à mesa, mas as pessoas se incomodam com sua presença, levantam e se vão.

E voltamos as voltas que ela também dá em torno de si mesma, entre como sua mãe matou seu pai, seu cambalear até a prostituição, doenças parasitais que fazem o ser humano flertar com a morte, as noitadas com bebidas, sexos e muitas outras diversões... É isso mesmo, porque ela não se entregou totalmente a miséria humana, se apoderou de um espírito de alegria para transformar toda sua experiencia de vida, ela não se conformou, mas decidiu olhar para tudo o que passou como se tivesse decidido passar por tudo aquilo. E cessou como se tivesse enxergado a luz no fim do túnel, saindo por entre o público pela mesma rota que chegou, repetindo: "Eu não me arrependo de nada. Nem do bem, nem do mal que me fizeram. Está escrito, está feito, caso encerrado."

21 de maio de 2025

[1] Ator/Atriz-criadora de dramaturgias pretas e amazônidas e poeta da poesia falada: slam poesia. É arte-educadora no Instituto Bienal das Amazônias (BDAS). Formada em Letras - Língua Portuguesa, pela Universidade Federal do Pará (UFPA) e no curso Técnico em Teatro, pela Escola de Teatro e Dança da UFPA (ETDUFPA). Cursa Especialização em Arte, pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e é graduanda em Licenciatura em Teatro, na UFPA; participante do minicurso "Crítica teatral e semiótica: estudos introdutórios" realizado pelo projeto TRIBUNA DO CRETINO.

Referencias

PROENÇA, Edyr Augusto. A volta de Joana. Uruá-Tapera, 24 abr. 2025 Disponível em: https://uruatapera.com/a-volta-de-joana/. Acesso em: 19 maio 2025.

FICHA TÉCNICA

JOANA

Produção:

Grupo Cuíra do Pará

Com Zê Charone como "Joana"

Direção:

Olinda Charone

Dramaturgia:

Edyr Augusto

Cenografia:

Charles Serruya e Bach Sampaio

Figurino:

Charles Serruya

Sonoplastia:

Marluce Oliveira

Iluminação:

Isabella Bravim

Fotografia:

Danni Cascaes