Cretino em 2020 – Por Edson Fernando

22/12/2020

Edson Fernando[1]

Ao contrário da trágica narrativa neoliberal que se expressa, sem nenhum pudor, pela premissa "A economia não pode parar", as críticas teatrais publicadas aqui, no Tribuna do Cretino, pararam em 2020.

O motivo é óbvio e simples: primeiramente, porque a pandemia da Covid-19 impôs, e ainda nos impõe, a premissa básica da sobrevivência. E isso numa conjuntura nacional na qual não tivemos, e não temos, planejamento político-sanitário de contenção da doença, plano de vacinação e/ou qualquer assistência humanitária vinda do interventor militar que segue sendo considerado Ministro da Saúde, o general Eduardo Pazuello. Sobreviver em meio a essa realidade nefasta se configura, assim, como um ato de resistência e até de desobediência civil.

Em segundo lugar, porque não há crítica teatral, sem montagem teatral. Com os espaços autopoiéticos da cidade fechados, teatros, praças, escolas e até ruas esvaziadas (ainda que por um breve período), aquilo que torna o fenômeno teatral possível se viu completamente comprometido, isto é, o encontro humano, a presença - em carne e osso - entre atuantes e público; consequentemente, a matéria prima da crítica teatral também desapareceu. Então, como não parar?

Cético frente a narrativa do "novo normal", julguei prudente não me aventurar na escrita de críticas sobre trabalhos artísticos disponibilizados em plataformas digitais, pois como minha percepção estética é fundada no jogo estabelecido pelo fenômeno teatral, fiquei sem motivação e instrumentos teórico-operacionais para escrever. Alerto não se tratar de uma diretriz categórica do Tribuna do Cretino, mas simplesmente uma opção pessoal do Cretino que vos escreve agora. O fato é que também não recebi nenhum texto que se aventurasse nesse terreno do teatro com as experimentações audiovisuais.

Sem o fazer teatral para conferir, busquei a conversa, o papo, a discussão, o debate sobre teatro, sobre a conjuntura política, sobre o auxílio emergencial para a categoria dos artistas - Lei Aldir Blanc -, sobre o papel da Escola de Teatro e Dança da UFPA na sua relação com a sociedade, sobre a cidade antes e durante a pandemia. E pra isso me vali das plataformas digitais, em particular o youtube, para compartilhar dezessete Papos Cretinos com artistas que labutam nessa cidade ainda hostil às políticas públicas de estado que garantam dignidade aos fazedores de cultura.

Reinvenção? Que nada!!! Apenas uma parada no exercício da crítica teatral escrita, que deu lugar, temporariamente, ao debate oral com convidados muito especiais: Paulo Ricardo Nascimento, Rosilene Cordeiro, Hudson Andrade, Leonel Ferreira, Sônia Lopes, Silvana Cruz, Taís Sawaki, Michel Amorim, Lú Maués, Eduardo Rodrigues, Ester Sá, Geane Oliveira, Luan Padilha, Astrea Lucena, Karimme Silva, Alana Lima, Cleber Cajun e Maycon Douglas. Juntos, papeamos e problematizamos esse tempo e lugar que vivemos. Então, em 2020 o Cretino parou com a publicação das críticas teatrais, mas o exercício do debate crítico permaneceu.

Voltaremos com as publicações das críticas teatrais em 2021? O desejo permanece sendo esse, embora o futuro permaneça incerto. No fundo, esse desejo expressa, inequivocamente, minha extrema necessidade em continuar vendo, fazendo e escrevendo a partir das montagens teatrais; e acredito que tal necessidade vai ao encontro da filosofia abraçada pelo Tribuna do Cretino. A propósito, dois convites me oportunizaram pensar e escrever sobre isso. O primeiro se deu no início de outubro, quando fui convidado para participar da quarta edição do Crítica em Movimento, projeto organizado e desenvolvido pela Fundação Itaú para a Educação e Cultura. O projeto conta com o lançamento de uma publicação on line reunindo diversos autores no debate de temas diretamente ligados à crítica teatral. O texto que produzi para esta publicação se intitula Coisa de Cretino: Crítica teatral num pedacinho do Norte do Brasil e apresenta os formatos e o modo pelo qual o Tribuna do Cretino vem exercitando a escrita de críticas teatrais para pensar a produção teatral de nossa cidade.

O segundo ocorreu pouco mais de um mês depois, vindo do site de crítica teatral Teatrojornal que me convidou para participar da Biocrítica - Leituras de cena, no contexto do novo coronavírus, uma ação comemorativa aos dez anos de atividades do site que reunirá, também numa publicação on line, a história de dez espaços de crítica de teatro na internet, história contada pelas próprias pessoas que os idealizaram em diferentes estados do Brasil. Para esse último, produzi o texto intitulado Diálogo cretino e, como o próprio título indica, apresento a trajetória do Tribuna do Cretino por meio de diálogo entre dois interlocutores participantes do projeto de extensão.

O lançamento dessas publicações está previsto para o início de 2021 e os links serão disponibilizados a todos. Num momento em que o Tribuna parou, temporariamente, a publicação das críticas teatrais, a produção desses textos me oportunizou pensar sobre tudo que o projeto tem desenvolvido ao longo desses quase oito anos de atividades ininterruptas. Esses convites também renderam cachês que serão, integralmente, revertidos nas ações do projeto e ajudarão com os custos das próximas edições da revista impressa.

E por falar em revista impressa e custos financeiros, aproveito para atualizar algumas informações importantes: 1 - Os 200 exemplares da edição Vol. 3 / Nº 6 da Tribuna do Cretino - Revista de Crítica Teatral ficaram prontos desde fevereiro, mas o lançamento, previsto para março, ficou comprometido por conta da pandemia e será realizado assim que for seguro; 2 - temos um banco de textos com críticas teatrais produzidas antes da pandemia, suficiente para a edição Vol. 4 / Nº 7 que já se encontra em fase de editoração; 3 - o Tribuna do Cretino foi contemplado com o prêmio Proex de Arte e Cultura 2020, recursos que serão integralmente revestidos para o custeio das edições Vol. 4 / Nº 7 e Nº 8 da revista impressa.

Por fim, gostaria de agradecer a todos os participantes que contribuíram e continuam contribuindo com as ações do Tribuna do Cretino, pois sozinho, esse Cretino que vos escreve, não chegaria a lugar nenhum.

No ano em que fomos forçados a parar com a produção de críticas teatrais, tem se demonstrando o quanto é importante perseverar no exercício da crítica rigorosa, seja ela dirigida às políticas culturais ou às agruras da conjuntura nacional, para não sucumbir as narrativas que querem nos fazer acreditar que a única alternativa para um "novo" amanhã é aquela expressa pela premissa capitalista do "Nada pode parar". Pois, se não couber nesse "novo" a fruição do encontro entre atuantes e público, nada de realmente novo se apresenta no horizonte, a não ser a consumação do velho projeto capitalista que sempre pretendeu nos desumanizar até o último fio de cabelo.

Evoé.


[1] Coordenador do Projeto TRIBUNA DO CRETINO.