Em nome do pai, em nome do filho... em nome de Nártex – Por Carla Santos
Montagem teatral: A tríade divinal: Nártex
Montagem: Companhia Paraense de Potoqueiros
Carla Santos[1]
Imersão: Ação ou efeito de imergir, de inserir algo, alguém ou si próprio em líquido; submersão. Ato ou resultado do processo de mergulhar alguma coisa em um líquido; submersão. (Astronomia) Circunstância em que há desaparecimento de um astro, geralmente encoberto pela sombra de outro.
Todos esses conceitos, por mais diferentes que sejam, podem definir por completo o espetáculo "A tríade divinal: Nártex", seja no ato da imersão dentro da história encenada, ou seja, no ato de astros competindo entre si para demonstrar sua história refletida em contos curtos "imergindo" o espectador.
"Nártex" é a terceira parte de uma trilogia inspirada na Divina Comédia, de Dante Alighieri, precedida por "Lúgubre" e "Catarse". A dramaturgia segue o rumo da última jornada de Salvador e, em uma hora de espetáculo, o protagonista contracena com todos os planetas da órbita solar, que representam medos, angustias, felicidades, preconceitos, tristezas, injustiças, justiças, dores, violências e qualquer sensação e sentimento humano que reflete a dúvida da entrada e pertencimento ao reino dos céus.
O figurino do espetáculo é uniforme para todos os personagens. Eles vestem mais do que apenas roupas e maquiagem, a uniformidade nas suas vestimentas, até mesmo a similaridade com as vestimentas de Salvador, traz a sensação de que todos são imagem e semelhança, e o que os difere é o interior e suas experiências particulares de vida. O único que difere dos demais é o "SER" que aparece algumas vezes durante o espetáculo para questionar Salvador e sua busca pela "verdade" conveniente.
A iluminação foi criada, talvez, com um intuito pleno e próprio, mas para mim trouxe uma enorme sensação de frieza, santidade, culto e ao mesmo tempo desamparo e paz. Durante trocas de ambientação, a cenografia e a iluminação convergem e em algum momento se tornam um só, o espectador não consegue mais separar a cenografia – a qual é feita por cortinas brancas e pretas e elementos que os personagens carregam em suas mãos, nada mais – das luzes que em harmonia (ou desarmonia) acedem e apagam, trocam de cor e de intensidade e trazem uma total atenção de todos que estão ali à elas, como se fossem protagonistas do grande espetáculo de imersão, que é o que "Nártex" propõem, trazendo o público para o centro do palco. Ao invés do tradicional palco italiano, todos que assistem sentam-se em cadeiras no centro, onde personagens atravessam na sua frente, a sua costa, ao seu lado e às vezes até tocam suavemente o espectador.
Aliás, esse "tocar" é o motivo de iniciar minha crítica com o conceito de imersão. Esse espetáculo não é apenas algo que se observa conscientemente, ou algo que se assiste para sentir apenas empatia e dor com as histórias tristes e emocionantes contadas. Ao meu ver o espetáculo propõe a quebra da quarta parede mesmo que os personagens não falem diretamente com o público. O espectador pode se sentir uma parte do espetáculo estando no centro dele e às vezes tão próximo dos atores que pode até mesmo ouvir a sua respiração. As histórias tocam profundamente aqueles que a ouvem, permitindo a sensação de ouvir um desabafo de alguém próximo, quase como se fosse um amigo, ao invés de apenas um personagem engessado que há possibilidade de ser esquecido através do tempo.
Dentro dessa perspectiva de inclusão do espectador ao espetáculo, trago a possibilidade em foco de que "Nártex" além de homenagear uma das maiores obras do gênero épico, também pode refletir aos pensamentos dos que vivem nos dias de hoje, trazendo uma lição de vida, que enquanto tanto se busca a salvação após a morte, pouco se faz em vida.
A dramaturgia do espetáculo, a meu ver, não parece ser feita para ser de todo compreendida em uma via linear de começo, meio e fim, visto que ao final do espetáculo resquícios de "lúgubre", ou inferno, vem à tona novamente, trazendo o fato de que tudo se torna uma espiral, um ciclo sem fim. Desta forma, o espetáculo traz muitos elementos figurativos, imaginativos, irreais e totalmente interpretativos. "Nártex" não tem um final feliz, um final triste ou até mesmo um final.
Concluindo, por ser uma obra que se afasta imensamente do teatro realista, "A tríade divinal: Nártex" não pode ser contemplada por aqueles que ainda tem olhos vívidos no tradicionalismo do teatro, no pensamento de que para haver um sentido a obra precisa ter início, meio e fim, e ainda pior, caminhando pelo viés tradicional e realista, coisa que o espetáculo em pauta evita de toda e qualquer forma com as suas diversas personagens que caminham, falam, riem e fazem qualquer ato de forma performativa. Essa obra é em muito uma obra que representa de grande forma a quebra total com o teatro realista.
24 de maio de 2024.
[1] Graduanda do Curso de Licenciatura em Teatro; Participante da oficina de crítica teatral "Exercícios de escrituras" – Projeto Tribuna do Cretino;
Ficha Técnica:
A tríade divinal: Nártex
Companhia Paraense de Potoqueiros
Elenco:
Eliane Gomes, Érika Mindelo, Fernandu Sarmento, Kate por Deus, Lennon Bendelak, Leonardo Sousa, Luana Oliveira, Nilton Cézar e Ruthelly Valadares.
Direção:
Breno Monteiro
Dramaturgia:
Breno Monteiro e Lauro Sousa
Iluminação:
Breno Monteiro
Sonoplastia:
Lauro Sousa
Cenografia:
Lucas Belo
Visagismo:
Thaís Sales
Figurino:
Lucas Belo
Produção:
Lauro Sousa
Realização:
Companhia Paraense de Potoqueiros
Apoio:
Espaço das Artes de Belém