Janelas – Por Edson Fernando

07/09/2023

Montagem Teatral: "Muralhas Invisíveis"

Montagem: Grupo de Teatro Palha

Edson Fernando[1]

Da minha Janela

Desde 2014 moro no quinto andar de um edifício no coração do Jurunas, bairro estigmatizado como zona periférica e perigosa da cidade de Belém do Pará. Meu prédio não tem sacada, apenas um pequeno canteiro para vasos de plantas que emula uma sacada. Da minha janela da sala é possível ver o curso do rio Guamá e a faixa de terra, recoberta pela copa das arvores, que abriga a ponta da ilha do Combú; mas também é possível observar o curso e o fluxo da vida que corre pelo cruzamento das duas principais vias do bairro, Av. Roberto Camelier com a Rua Engenheiro Fernando Guilhon: vans que realizam transporte clandestino trafegando com portas abertas e com o cobrador se equilibrando na beirada, com metade do corpo pra fora convocando, nada delicadamente, os passageiros para embarcarem; barracas informais com venda de comidas diversas como peixe frito, café com tapioca, suco de laranja e carrinho de frutas; nas calçadas, um morador de rua que provavelmente possui algum tipo de psicose, batizado carinhosamente como Raul, dado o seu cabelo e barba desgrenhados; gente que passa de bicicleta, gente que passa de ônibus, gente que passa de mototáxi, gente que atravessa as ruas a pé indo em farmácias, lotérica, frangaria, na barraca do Carimbó da Sorte, na agência dos Correios ou na venda de açaí. A noite o cenário muda um pouco com a chegada do carro de lanches e das barracas de tacacá e comidas típicas – tacacá, vatapá e maniçoba.

Passeando o olhar, indo da minha janela da sala até a beira do rio Guamá, também é possível perceber o crescimento horizontal desordenado do Jurunas, com casas de alvenaria que se amontoam, umas sobre as outras, numa disputa voraz por um pequeno pedaço de terra no terreno alagadiço que outrora já foi braço de rio, o igarapé Piry. O verde cedeu quase completamente espaço para as habitações dos moradores e as poucas árvores que são possíveis de notar, bem espaçadamente, apenas remetem a um passado, não muito distante, de grande e arborizados quintais pela vizinhança do bairro. Aterrar um igarapé e derrubar sua faixa verde de vegetação nativa sem considerar os impactos ambientais e/ou sem planejamento urbano fatalmente ocasionou graves problemas de infraestrutura e saneamento básico que podem ser percebidos até hoje e sem muito esforço, basta caminhar pelo rua Fernando Guilhon a partir do cruzamento com a Breves e se notará a lama que fica empossada em vários trechos do meio fio, bueiros entupidos – e alguns sem tampa –, água parada que, dependendo da chuva, ocupa boa parte da pista. O cenário se repete e se agrava se o trecho observado for pela rua Bernardo Sayao entre a Fernando Guilhon e Quintino Bocaiúva. A ocupação desordenada das calçadas por comerciantes do local agrava a situação e gera poluição visual, lixo e muito, muito barulho. E não estou falando do miolo do Jurunas, isto é, das vilas, becos, vielas e passagens que cortam o bairro, mas sim de uma das vias principais que leva até a Bernardo Sayão, rua paralela ao rio Guamá ocupada, também irregularmente, por diversos portos particulares que recebem e escoam a produção de diversos produtos da região como o açaí e a farinha d'água. Um passeio pelo miolo do Jurunas tende a deixar bem mais a mostra os problemas graves de infraestrutura, saneamento básico e segurança que o bairro sempre teve.

Por sua vez, a janela do escritório do Amor dá as costas para o rio Guamá e permite ver o crescimento vertical da selva de pedras que se estende indo em direção ao centro da cidade: os prédios mais antigos se mantém na geografia de Batista Campos, bairro vizinho ao Jurunas, mas vai lentamente cedendo lugar as torres habitacionais cada vez mais altas, melhor iluminadas e com amplas sacadas, deixando transparecer um toque de luxo e modernidade para os novos/futuros moradores que poderão enxergar o rio Guamá do alto de seus confortáveis apartamentos e a certa distância segura do Jurunas. Dessa outra janela, então, notoriamente o cenário muda e, talvez, o ponto em comum com a paisagem da janela da sala se limite a pouca ou nenhuma cobertura verde em ambas. Embora vizinhos, esses bairros demarcam distâncias gigantes no trato social com os respectivos moradores, seja na infraestrutura, no saneamento básico e em toda a rede de serviços urbanos gestada pelos poderes do estado e até pela iniciativa privada.

Portanto, por essas duas janelas – a da sala, de frente para o rio Guamá; e a do escritório do Amor, de costas para o Rio Guamá – consigo observar dois modos distintos de ocupação espacial presente na geografia do Jurunas e de Batista Campos. A lógica geográfica dessa ocupação territorial, segundo Carmem Izabel Rodrigues, se constituiu desde o século XVII quando então, a cidade se expande do seu núcleo de fundação, isto é, o Forte do Presépio, em direção, exatamente, aos bairros do Jurunas, Guamá, Condor e Batista Campos:

Entre ritmos mais lentos ou mais acelerados de crescimento espacial, econômico e social, Belém transformou-se gradativamente em uma grande colônia lusitana, voltada principalmente para atividades comerciais e financeiras (...). O resultado desse processo de ocupação e dominação do novo território português, que incluiu medidas de incentivo a miscigenação dos colonos e soldados com mulheres índias (sic), foi o "rápido crescimento da população mestiça" presente em muitos setores da sociedade (grifos originais), especialmente entre as camadas populares que ocupavam os chamados arrabaldes da cidade, lugares mais distantes do centro, muito insalubres e perigosos para os colonos, portanto, pouco valorizados. Aí se incluem diversos caminhos e trilhas que foram sendo abertos em sentido paralelo ao rio Guamá (grifos originais), seguindo os primeiros caminhos e ruas abertas, a partir do Forte do Presépio (grifos originais). (...)

Notícias diversas nos jornais da época atestam a presença maciça de empregados indígenas ou caboclos nas mais diversas atividades nesse período (...). Esses dados nos permitem supor que nesse momento já havia uma parcela considerável de habitantes, a maioria indígenas ou mestiços de índios e negros, nos trechos habitáveis às margens do rio Guamá, onde hoje se localizam os bairros do Jurunas, Condor e Guamá (grifos originais). (...)

Mas foi somente a partir do século XVIII que o sítio geográfico onde se localiza o bairro do Jurunas foi sendo lentamente incorporado à área de expansão da cidade. As primeiras ruas surgiram a partir da abertura de caminhos que permitem, às vezes com muita dificuldade, o trânsito entre o centro e as terras que estavam sendo utilizadas para moradia e/ou atividades econômicas de baixo custo e rendimentos, pela população mais pobre (...)

Na passagem do século XIX para o XX, o interesse de políticos e gestores em melhorar as condições econômicas, higiênicas e habitacionais da cidade (com ataques diretos à proliferação de barracos e puxadas construídas no subúrbios) foi transformado em projeto prioritário da administração do Intendente Antônio Lemos. Dentro de um conjunto de medidas colocadas em operação, o bairro recebeu alguma atenção do município (grifo meu), com vistas ao melhoramento geral da cidade através do "saneamento da capital, oferecendo à população largas zonas até há pouco tempo inabitáveis por causa de sua insalubridade" (grifos originais), com a desobstrução de valas, derrubada da mata e construção de pontilhões, assim como alargamento, aterramento e calçamento de vias, para evitar os "lamaçaes que as chuvas costumam fazer n'aquelle sitio baixo e muito transitado" (grifos originais) (...)

Durante essa período, mesmo com poucas melhorias e dispondo de um fornecimento de água sofrível (através de poços públicos) e iluminação, com muitas ruas alagáveis e insalubres, o bairro atraia mais e mais moradores por dispor de terrenos de bom tamanho e relativamente baratos, onde alguns cidadãos de melhores posses construíam rocinhas, imóveis afastados do centro da cidade. (2008, p. 72-75) 

A citação é longa, mas necessária, pois permite entender as distintas paisagens que mostrei das minhas janelas. Em verdade, me permitirei fazer inferências sobre o bairro de Batista Campos, pois a excelente etnografia de Carmem Izabel, citada acima, se concentra na descrição da formação sócio geográfica do Jurunas. Destaco dela, três elementos: 1. Em sua formação, o bairro é povoado pela população mais pobre, majoritariamente por "indígenas ou mestiços de índios e negros"; 2. Considerado como subúrbio desde sua formação, sempre foi pouco valorizado e estigmatizado como lugar perigoso; 3. Por causa dos dois primeiros motivos, sempre recebeu pouco atenção do poder público. São esses fatores que, no meu entender, determinam o modo como ainda hoje o bairro é visto – pelo estigma do periférico, violento e perigoso – e tratado pelos poderes públicos – com o mesmo descaso e pouco investimento em obras estruturais.

Então, quando olho para o bairro vizinho, Batista Campos, pela janela do escritório do Amor, as desigualdades sociais ficam gritantes na medida em que é possível notar, a olho nu, a atenção dada para os serviços básicos de infraestrutura das vias, iluminação pública, coleta de lixo e habitação. São bairros fronteiriços, mas com atenção diferenciada por parte da administração pública, determinada pelas classes sociais que residem nesses lugares. Uso "classe social" a partir do verbete de Allan G. Johnson que aponta para "uma distinção e uma divisão social que resultam da distribuição desigual de vantagens e recursos, tais como riqueza, poder e prestígio" (1997, p.37).

Então, se no Jurunas temos uma população majoritariamente das camadas mais baixas, em Batista Campos temos uma população formada por Classe Média, Média Alta e, arrisco dizer, Ricos. Minha inferência se baseia na percepção que se pode ter ao andar por Batista Campos, observando o padrão das casas e prédios residenciais, mas também conferindo os dados fornecidos pela matéria de Daleth Oliveira, publicada no jornal O Liberal.Com[2] no último dia 13 de fevereiro de 2023:

Em Belém, um empreendimento é considerado de luxo quando custa acima de R$1,5 milhões até R$ 3 milhões. (...) "Os imóveis de luxo, além desse valor delimitado, sempre vão ofertar uma área de lazer completa com piscina, quadra, sauna, academia e salão de festa; e em localizações também específicas. Hoje você encontra esses imóveis no Umarizal, Batista Campos, Nazaré e, mais recente, no Marco" (...) explica Albino.

Para Haemel, o luxo é tudo aquilo que transcende a necessidade do indivíduo. "O cliente que compra um imóvel desse valor, é mais exigente. Ele não quer qualquer acabamento, qualquer metragem, qualquer localização, esses detalhes agregam valor ao imóvel. Outro ponto são os profissionais que assinam esse projeto, isso também é um diferencial. Aqui o morador vai ter um apartamento de 620 metros quadrados, seis vagas de garagem, quadra de tênis, elevador premium pra ele subir até com um piano de cauda, cinco suítes e uma varanda enorme de frente pra Baía do Guajará. Isso tudo é luxo", detalha.  

Por tudo isso, sou levado a acreditar que as desigualdades sociais demarcadas nesses dois bairros de Belém são determinados pelo fator econômico diretamente ligado as relações de poder entre as classes sociais e o estado. José Saramago em conferência intitulada "Verdade e ilusão democrática", explica isso de modo bem didático ao afirmar: "O sistema de organização social que até aqui temos designado como democrático tornou-se cada vez mais numa plutocracia (governo dos ricos) e cada vez menos uma democracia (governo do povo)" (2013, p.71). É exatamente assim que leio e penso sobre as relações sociais nos quais estamos enredados há muito tempo, desde antes da formação do Jurunas, inclusive.


Olhando por outra Janela

Vestido como um Boto Encantado, o Homem da Sacada me convida a testemunhar as histórias de vida de algumas pessoas que transitam e vivem (ou sobrevivem) debaixo da sua janela. De modo professoral, e do alto de sua sacada, ele destaca, em linhas gerais e introdutórias, o enredo cruel pelo qual veremos passar moradores de rua, prostitutas, traficantes, cafetões e flanelinhas; são figuras que habitam e/ou transitam debaixo de sua janela, na esquina das ruas Riachuelo com a Presidente Vargas. O local é historicamente estigmatizado como uma das mais famosas e violentas zonas do meretrício de Belém.

Tendo apresentado os primeiros contornos daquilo que veremos logo em seguida, o prólogo do Homem da Sacada não tarda em anunciar sua visão de mundo ao afirmar categoricamente que o cerne dos problemas desses personagens é "a sociedade". Uma "sociedade" que se nega a ver os dramas e tragédias dessas pessoas que habitam aquele lugar bem no centro da cidade; uma "sociedade" que fingi não existir problemas tão graves, bem debaixo do seu nariz; uma "sociedade" que invisibiliza essas pessoas e constrói muralhas invisíveis para se apartar desse problema social grave.

Algumas provocações e inquietações iniciais: quem, afinal, faz parte dessa "sociedade" que o texto de Edyr Proença, tão rapidamente, identifica como matriz desse problema? Trata-se de uma classe social em particular ou apenas uma abstração sociológica? Sob quais relações de poder as personagens da montagem teatral se veem submetidas? E sob quais lentes de análise somos convocados a visitar tais problemas e desigualdades sociais anunciadas, pelo Homem da Sacada, desde o início da ação dramática?

Observo que a opção de encenação, de Paulo Santana, investe todos os seus esforços para recriar, simbolicamente, o microcosmos estabelecido pelos limites da rua Riachuelo com a Presidente Vargas, tendo a experiência de Edyr, como morador desse entorno, como o material fonte que fundamenta as histórias retratadas na montagem. Então, a encenação de Paulo não se esquiva da tarefa de ampliar/amplificar a dimensão desse lugar, dos acontecimentos que se passam ali e, inevitavelmente, das personas sociais que povoam esse microcosmos. Assim, tudo me parece superdimensionado para mais: a gestualidade, os trejeitos, o volume da música, a voz dos atuantes, as marcações de palco, o andamento das cenas, as coreografias... tudo me parece ampliado/amplificado, muitas vezes, para além do limite do verossímil, numa tentativa de se aproximar da vida fora do palco pelo exagero e excessos que somente o campo da arte permite – permite, é verdade, mas tem seu preço –, como se desejasse derrubar as muralhas invisíveis que separam a realidade retratada no microcosmos da Riachuelo com a Presidente Vargas com o macrocosmos da nossa realidade.

Para tanto, a encenação me parece investir principalmente no vigor físico de seu elenco, modulando a montagem num ritmo quase sempre frenético e urgente. Quanto ao trabalho de criação dos atuantes, me pareceu inevitável seguir pela composição de "personagens tipo", isto é, segundo Patrice Pavis, personagens cujas "características individuais e originais são sacrificadas em benefício de um generalização e de uma amplificação" (2005, p.410). Desse modo, as prostitutas, o cafetão, o policial, o pastor, o traficante e todos as personagens que me são apresentados, carregam essa generalização ampliada/amplificada de alguns traços sociais que se consolidaram no nosso imaginário popular. Mas se por um lado essa escolha oferece um retrato ampliado/amplificado que me possibilita identificar aquelas personagens e aquele lugar, por outro, essas personagens parecem descoladas da própria dinâmica social e das causas socioeconômicas que as levaram até ali. Então, vejo a exploração e violência que o cafetão desfere nas prostitutas, mas vejo muito pouco das engrenagens socioeconômicas – pobreza extrema, falta de acesso à educação, desestruturação familiar, pra citar alguns – que empurram milhares de mulheres/adolescentes para a prostituição. As personagens esbarram ou não ultrapassam o "estereótipo" e, por isso, não me oferecem instrumentos para adentrar e problematizar as estruturas sociais e relações de poder nos quais todos nós estamos enredados.

Destaco que essa primeira abordagem que faço do "estereótipo" se localiza no âmbito das discussões da estética teatral. Me refiro, portanto, as "personagens muito tipificadas, situações triviais e muitas vezes repetidas, expressões verbais em forma de clichês, gestualidade sem invenção, estrutura dramática e desenrolar da ação sujeito a um modelo fixo" (Ibidem, p.144). Neste sentido, observo o trabalho de composição dos atuantes recorrendo, principalmente, as expressões clichês da atualidade, diretamente ligadas as pautas de gênero; as gesticulações e máscaras faciais reforçam e seguem esse mesmo caminho durante toda a apresentação me deixando com a sensação de que a ação não avança e que os conflitos se desenrolam quase em looping infinito.

Numa segunda abordagem para o uso dos "estereótipos" na montagem, a questão salta do âmbito da estética teatral e vai para o da Sociologia. Esta é uma seara bem mais delicada pois mobiliza ideias fixas pré-concebidas que podem induzir – dependendo de como são usados – a julgamentos de valor moral. Sobre o conceito sociológico, Allan G. Johnson afirma: "O estereótipo é uma crença rígida, excessivamente simplificada, não raro exagerada, aplicada tanto a uma categoria inteira de indivíduos como a cada indivíduo na mesma" (1997, p.93). Então, quando a montagem coloca em cena prostitutas estereotipadas e não problematiza as relações de poder que envolvem a exploração do seu trabalho, tentando me fazer acreditar que "a sociedade" ergueu muralhas invisíveis que me separam e me impedem de agir para solucionar a questão, me sinto obrigado a acreditar que eu, enquanto agente social e parte integrante dessa dita "sociedade" sou o próprio agente causador do problema. E admitir isso me leva a uma espécie de inversão de sentido, na medida em que preciso aceitar que as muralhas invisíveis me desumanizam a tal ponto de só conseguir enxergar a situação difícil das prostituas que vivem, de fato, na Riachuelo com a Presidente Vargas, por essa lente estereotipada, quando na verdade me foi oferecido uma versão estereotipada das personagens e, por isso, preciso admitir a existência das muralhas invisíveis. O exemplo das prostitutas pode ser estendido para as outras personagens estereotipadas da montagem.

Por fim, gostaria de aproveitar a metáfora da "muralha invisível" e trabalhá-la no contexto da recente Medida Provisória enviada ao Congresso Nacional pelo Governo Lula, que prevê a taxação dos fundos exclusivos e o capital aplicado em offshores (empresas no exterior) das camadas mais ricas do Brasil, popularmente conhecida como a "taxação dos super-ricos". Em imediata resposta à MP, o empresário João Camargo, presidente do conselho da Esfera Brasil – empresa que promove encontros entre empresários e políticos ou, em outras palavras, faz lobby –, publicou artigo no jornal Folha de São Paulo intitulado "Ser rico não é pecado", no último dia 02 de setembro. Segundo esse sr. João – que está muitos bilhões longe de ser um João-Ninguém – a taxação dos super-ricos causará a evasão de fortunas e investimentos do país e, não fará bem para o Brasil. É curioso notar como ele articula sua narrativa recorrendo, logo no título, para uma questão de ordem moral e não econômica, isto é, "o pecado". E ao partir dessa premissa, ideológica e propositadamente, ele pretende nublar o debate econômico tentando nos fazer acreditar o quanto são bonzinhos os super-ricos e quanto bem fazem para o Brasil com suas megas fortunas, pois afinal sem eles não haverá investimentos para o nosso crescimento econômico. Ocorre que esses super-ricos tem acumulado suas fortunas desde sempre e nunca esse tão esperado crescimento econômico acontece no país. Nem mesmo durante a pandemia de Covid-19 seus lucros diminuíram ou se viram ameaçados pela conjuntura de crise planetária que vivemos recentemente; pelo contrário, segundo o relatório da Oxfam (2022), os super-ricos ficaram mais ricos ainda durante a pandemia, o que é um escárnio jogado na nossa cara sem nenhum pudor. Mas esses humanos "super-especiais" e seus bilhões em contas bancárias são ardilosos e empenhados em estabelecer narrativas para blindá-los, são matreiros na arte de erguer muralhas invisíveis para protegê-los.

Esse tipo de muralha invisível me parece muito mais perniciosa e diretamente ligada aos males que nos afetam diariamente, pois elas movem as engrenagens de um sistema que realmente nos desumaniza e mercantiliza todas as relações sociais. Sem problematizar as muralhas invisíveis da plutocracia, penso que todo o debate provocado por obra estética se vê limitado, ainda que seus objetivos sejam os mais nobres possíveis.

06 de setembro de 2023

Referências

JOHNSON, Allan G. Dicionário de Sociologia: guia prático da linguagem sociológica. Trad. Ruy Jungmann; consultoria, Renato Lessa. — Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1997

PAVIS, Patrice. Dicionário de Teatro. Trad. J. Guinsburg e Maria Lúcia Pereira. São Paulo: Perspectiva, 2005.

RODRIGUES, Carmem Izabel. Vem do bairro do Jurunas: sociabilidade e construção de identidades em espaço urbano. Belém: Editora do NAEA, 2008.

SARAMAGO, José. Democracia e universidade. Belém: Ed.ufpa; Lisboa: Fundação José Saramago, 2013. 


[1] Ator e diretor teatral; Coordenador do projeto de extensão Tribuna do Cretino; 

[2] Acessado em 06.09.2023 https://www.oliberal.com/economia/procura-por-imoveis-de-luxo-e-alta-em-belem-mas-oferta-ainda-e-pequena-1.641528

 

FICHA TÉCNICA
ELENCO

Leandro Astral, Yuri Ganha, Lucas Bereco, Kesynho Houston, Xviccy, Claudio Raposo, Marina Di Gusmão, Isabella Valentina, Lorena Bianco, Krystara Monteiro, David Silva

DRAMATURGIA

Edyr Augusto

DIREÇÃO E ENCENAÇÃO

Paulo Santana

ASSISTÊNCIA DE DIREÇÃO
Kesynho Houston

ESTAGIÁRIA DE DIREÇÃO
Victoria Rodrigues

DIREÇÃO MUSICAL
Ismael Mello, Pelé do Manifesto

COMPOSIÇÃO MUSICAL
Pelé do Manifesto, Ismael Mello

DIREÇÃO COREOGRÁFICA:
Kekeu, Luana Lemos

PREPARAÇÃO CORPORAL
Luana Lemos, Kekeu

CENOGRAFIA:
Charles Serruya

FIGURINO
Claudia Palheta, Lucas Belo

COSTURA
Marcia Gonçalves

ADERECISTA
Marcia Almeida

DESENHO DE LUZ
Malu Rabelo

SONOPLASTIA
Suely Brito

PAISAGISMO SONORO
Ismael Mello

ASSESSORIA DE IMPRENSA E REDES SOCIAIS:
Leandro Oliveira

DESIGN GRAFICO E DIREÇÃO DE ARTE
Claudia Palheta e Victoria Rodrigues

PRODUÇÃO DE VIDEO
Victoria Rodrigues

FOTOGRAFIA DO PROGRAMA:
Xviccy, Kesynho Houston

MONTAGEM DE ARTE DO PROGRAMA
Victoria Rodrigues

ASSISTENTE DE PRODUÇÃO
Suely Brito

PRODUÇÃO
Tania Santana, Zê Charone

REALIZAÇÃO
Grupo de Teatro Palha