Lucia Di Lammermoor: Uma rica balança em desequilíbrio – Por Elcio Lima

25/09/2023

Montagem: Lucia Di Lammermoor

XXII Festival de Ópera do Theatro da Paz

Elcio Lima[1]

Dando sequência ao belo projeto de "popularização" do canto lírico no estado do Pará, ocorre na capital, até o dia 26 do corrente mês, o XXII Festival de Ópera do Theatro da Paz, que apresenta mais um belo trabalho. Desta vez se trata da ópera Lucia Di Lammermoor, do italiano Gaetano Donizetti, baseada no romance A Noiva de Lammermoor, de Walter Scott. Datada de 1835, Lucia Di Lammermoor faz parte do hall das grandes obras do repertório lírico pelo mundo afora, sendo, atualmente, uma de suas obras mais representadas, e chega à Belém sob a direção de Bruno Berger-Gorski.

Com uma trama de amor proibido entre Lucia e Edgardo, ambos de famílias rivais (deja ?), a ópera se baseia em armações movidas pelo desespero e egoísmo do irmão de Lucia, Enrico Ashton, logo que é informado pelo Capitão Normanno sobre um suposto invasor de suas terras, o que vem a se confirmar se tratar de Edgardo. Lucia e Edgardo selam um compromisso secretamente a contragosto de sua serviçal, a austera Alisa. Enrico pretende casar a irmã com outro homem, Arturo Bucklaw e, para isso, forja uma carta falsa que atribui ser de Edgardo onde o mesmo diz que casou-se com outra mulher. Lucia cai em desespero e é aconselhada por Raimondo, o capelão, a aceitar seu destino, esquecer Edgardo e pensar no bem da família. Ela, então, aceita o casamento arranjado dando inicio ao terceiro ato de loucura e derramamento de sangue.

A história é um verdadeiro melodrama cheio de muitos suspiros, declarações de amor eterno, ódio implacável e a velha prática de usar a figura da mulher como moeda de troca por meio de um casamento. Sobre a trama, é curioso observar como, a partir do momento em que os planos escusos de Enrico caem por terra, ainda assim a culpa recai sobre Lucia, supostamente por ter sido infiel e fraca em resistir aos apelos do irmão e não confiar em seu amado, mas também por titubear ao defender o nome da família e a posição do irmão. O modo como é apontada não difere em nada dos dias de hoje. Uma mulher incompreendida cujos sentimentos e desejos são postos de lado em detrimento de interesses alheios e de uma moral baseada em sacrifícios recompensados com um lugar no céu.

Voltando ao espetáculo, que tem seu desfecho diante dos olhos atentos de nobres homens e mulheres no salão do Castelo de Lammermoor, o mote dramático da história é pungente e com forte apelo emocional, munido de belíssimos solos, especialmente os de Lucia, aqui vivida por Lyz Nardoto; Edgardo, representado pelo carismático tenor Helenes Lopes; e Idaias Solto, que dá voz ao Lord Enrico. A récita consegue manter a atenção e a aflição de um público que vê o desenrolar complicado de uma trama que desde o início já dá indícios de como irá terminar. E quem se importa com isso? O que vale é a emoção que leva às lágrimas porque o amor é belo, mais ainda os que são proibidos. Não é mesmo? (ao menos na ficção) E assim a noite segue, entre a indignação do expectador um tanto anestesiado pela agilidade das redes sociais e a história que se constrói lenta rumo a escalada que se baseia numa carta escrita à mão. No fim das contas as pessoas querem mesmo é sentir algo mais profundo que as pequenas telas não conseguem suprir, mas uma bela montagem sobre o palco consegue. Ah, como consegue!

Há tempos que o Da Paz vem cimentando sua posição nacional como realizador de trabalhos em óperas dignas de aplausos e inúmeros elogios, dispensando validações vindas de fora do estado, uma vez que temos, sim, gente de sobra capaz de sustentar a nobreza e a beleza que essa arte exige, mesmo que muitos rostos e vozes sejam, em sua maioria, os mesmos, ano após ano. Contudo, nem só de pão vive o homem, neste caso, nem só de canto vive uma ópera.

Vale ressaltar que, embora belíssima a apresentação tenha sido, uma obra operística demanda a junção harmoniosa entre canto e atuação, e neste segundo quesito, a preparação de elenco deixa a desejar, o que me toma de assalto ao notar o desequilíbrio gritante entre ambos.

Poucos em Lucia Di Lammermoor sustentam seus personagens em cena. Se fosse apenas o caso de escutar a música, estaria perfeito. Bastaria fechar os olhos e apreciar. O que não é o caso. Ópera é cena, é tensão, é drama, furor, energia! Não basta alcançar as notas certas se o corpo não corresponde ao que se canta, ou quando este canto se direciona ao "nada" ou mesmo quando há uma clara quebra de conexão entre cantores/atuantes no que deveria ser um diálogo, ainda que cantado. Ocorre ainda de, após cantar, abandonar a personagem para retomá-la apenas quando se é preciso cantar novamente. Isso pode até passar despercebido ao expectador médio, mas para um festival desta estirpe e com tantos anos de estrada, é um deslize que compromete o todo por mais que a qualidade dos demais fatores que complementam a cena estejam um primor no devido cumprimento de seu papel, como por exemplo a cenografia de Carlos Dalarmelino, com painéis imitando a paisagem natural e o interior do Castelo de Lammermoor; ou os figurinos de Fernando Leite, majoritariamente pretos numa releitura de época muito polida.

É um problema que atinge a todos? Certamente que não, e a este respeito destaco Carolina Faria, a Alisa. Coadjuvante, Carolina consegue aliar brilhantemente canto, expressões faciais e gestual em todos os momentos a ponto de, mesmo em silêncio, atrair a atenção para si, fruto, claro, de seus 22 anos de estudos e dedicação. O mesmo se pode dizer de Idaias Solto, Felipe Oliveira e Helenes Lopes, um trio primoroso nesta obra.

Uma direção mais atenciosa deveria intervir num coro cuja terça parte parece estar apenas a fazer volume em cena, sem presença, pouca vida, sem, talvez, saber exatamente o que tem de ser feito sobre o palco até que sua memória seja acionada e todas as vozes soem juntas, linda e vigorosamente, em momentos pontuais, cruciais e, vez ou outra, arrepiantes. No que tange às marcações de palco e a iluminação, o diálogo se fazia extremamente necessário, uma vez que era fácil perceber um ou outro cantor desaparecer na penumbra mesmo quando isso visivelmente não era intencional. A ideia de usar o preto e o cinza como predominantes na paleta do figurino, quando se tem uma cenografia acinzentada e uma iluminação opaca foi, sem dúvida, um desafio para encontrar tridimensionalidade entre um grande grupo de pessoas sob pouca ou nenhuma luz, por mais que o destaque fosse intencionalmente para Lucia e seu vestido de casamento marfim primorosamente bordado, não fossem as faixas de xadrez vermelho teríamos silhuetas amontoadas na escuridão. Aliás, o desenho de luz criou de fato uma atmosfera soturna, de dias nublados, uma coisa meio Tim Burton, mas vez ou outra não colaborou com o traje cênico, por mais que em fotografias se notem planos distintos e profundidade, ao vivo, durante o desenrolar da cena (que é o que faz o teatro ser teatro) não se viu tanta química.

A récita sobre a qual escrevo se tratava de um ensaio geral aberto a um público, em sua maioria, composto por convidados e colaboradores técnicos, realizado no dia 19 de setembro. Récita esta, que contou com alguns percalços como uma pane na iluminação que tomou breve tempo antes do início e falhou em alguns outros como no terceiro ato. Sobre a Lucia de Lyz Nardoto, um primor no canto, fluente e tocante apesar da atuação um tanto engessada em alguns momentos, tomando novo vigor a partir da segunda parte do segundo ato, culminando em um dos solos mais belos que já vi na vida. De aplaudir de pé!

Outro ponto que destaco é o programa da ópera. São 33 páginas! Dentre as quais apenas uma apresenta a obra em forma de sinopse (reduzida, grosso modo, a um parágrafo). Demais páginas lembram os classificados de jornal, destacando os muitos feitos de parte da equipe técnica e elenco, enquanto a obra em si, seus atos e algo mais relevante, ficam com Deus. Penso que dados técnicos e currículo cabem em outro lugar, um programa deve ser enxuto, objetivo e informativo e não veículo para exaltação de A ou B. Sendo assim fica até fácil compreender o motivo de o programa não ser mais impresso.

A ópera merece ser assistida, um tipo que atinge em cheio a qualquer espectador com sua trama passional, além de integrar um festival de renome que já faz parte da cultura da terra (ao menos de uma parte dela), é de fato um deleite ouvir belos cantos e uma orquestra afinadíssima sob o comando de Miguel Campos Neto. A programação segue nos dias 24 e 26 de setembro, sempre às 20h.

Em linhas gerais, a montagem de Lucia Di Lammermoor deve se tornar uma das obras queridas do grande público, o que muito se deve ao trabalho de tantos profissionais, artistas ou não, locais ou não, que se dedicam a realizar um projeto tão lindo que ainda caminha a passos curtos, mas contínuos, ao longo de vinte e duas edições rumo ao devido reconhecimento: o de seu próprio povo.

25 de setembro de 2023

[1] Elcio Lima é ator, diretor, escritor, dramaturgo e figurinista. Aluno do curso técnico em Figurino cênico e graduando de Licenciatura em Teatro. Colabora com o projeto de pesquisa O Clown Nosso de Cada Dia, e integra o projeto de extensão Tribuna do Cretino.

FICHA TÉCNICA

LUCIA DI LAMMERMOOR

De Gaetano Donizetti

ELENCO/SOLISTAS

Lys Nardoto, Hélenes Lopes, Idaías Souro, Antônio Wilson,

Fellipe Oliveira, Alexsandro Brito e Carolina Faria

MAESTRO

Miguel Campos Neto

MAESTRO ASSISTENTE

Rafael Braga

DIREÇÃO DE CENA

Bruno Berger

ASSISTENTE DE DIREÇÃO

Jéssyca Meireles

FIGURINISTA

Fernando Leite

ASSISTENTE DE FIGURINISTA

Ana Paula Araújo

ILUMINADORA

Kuka Batista

CENOGRAFIA

Carlos Alberto Dalarmelino Jr.

VISAGISMO

Omar Júnior

REGENTE CORO

Vanildo Monteiro

PIANISTA CORREPETIDOR

Ana Maria Adade

LEGENDA

Gilda Maia

DIRETOR DE PALCO

Claudio Bastos

CONTRA REGRA

Laura Rodrigues

ORQUESTRA SINFÔNICA DO THEATRO DA PAZ

PRIMEIROS VIOLINOS

Justo Gutierrez, Fábio Santos, Eryck Giacon, Júlio Carlos, Luiza Aires

Susan Hagar, Roberta França, Luís Oliveira, Ricky Sandres, Silvia matos*

SEGUNDOS VIOLINOS

Allan Peter, Arielson Soares, Joyce Batista, Pedro Henrique, Teixeira

Feliphe Bruno, Helena Medeiros, Rebeca Bertazo, Monicky Romanholi

Armando, Mendonça F.*, Jefferson Moraes*

VIOLAS

Haroldo Fonseca, Gabriel Moreira, Nicoli Martins, Thiago Rodrigues

Rosildo Monteiro, Alexsandro Castro, Gabriel Silva

VIOLONCELOS

Luiz Sena, Gustavo Saraiva, Tiago Imbiriba, Abraão Sales

Victoria Correa*, Victor Lisboa*

CONTRABAIXOS

Jhonathan Torquato, Márcio Bolzan, Paulo André, Nascimento, Eric Marvin Magno*

FLAUTA

Clara Nascimento, Fabrício Aleixo, Victor Barral*

OBOÉ

Joás Saraiva, Pedro Henrique, Vieira

CLARINETE

João Marcos Palheta, Joabe Oliveira

FAGOTE

Samuel Rosa, Sérgio Galisa

TROMPA

Fabrício Santos, Leonete Navegantes, Jaqueline Louzada, Hélden Sávio

TROMPETE

Ricardo Sigari, Flávio Teixeira

TROMBONE

Benedito Júnior, Kelson Pinheiro, Manassés Malcher

TÍMPANOS

Ruth Saldanha

PERCUSSÃO

Magno Morais, Edson Patrick*, Ronald Roffé*

HARPA

Henriane Souza

*CONVIDADOS

PRODUTOR

Régis Falcão

ASSISTENTE DE PRODUÇÃO

Bárbara Gonçalves

ARQUIVISTA

Tassiane Gazé

INSPETOR

Belém Ribeiro

MONTADORES

Antônio Carlos, Gabriel Coelho, Jean Luglimi

CORO

PRIMEIROS SOPRANOS

Alda Célia Reis, Ana Caroline Silva, Ana Natividade, Andréa Borges, Camila Dias

Danielly Ferreira, Débora Carvalho, Dulcianne Ribeiro, Ione Carvalho, Lila Moraes

Lívia Berrêdo, Marcele Monteiro, Regiane Freire, Symone Serruya, Tassiane Gazé

SEGUNDOS SOPRANOS

Adriane Leite, Aline Matos, Cristina Viana, Elizabeth Moura, Emanuele Monteiro

Érica Paixão, Lene Miranda, Lúcia Machado, Lusiana Sena, Tereza Mônica Cruz

TENORES

Alesson Lameira, Celso Berrêdo, Flávio Silva, Gabriel Frota, Hugo Harley

José Walace Sousa, Jou Medeiros, Levi Lobo, Marcos Carvalho, Marcos Vigário

Maurício, Raifran Borges, Vinícius Silva

BAIXOS

Davi Marques, Elias Neves, Ítalo Dutra, Leonardo de Nazaré

Paulo José Corrêa Pereira, Ramatís Bayma, Sidney Pio, Ytanaã Figueiredo

ASSISTENTES DO FESTIVAL DE ÓPERA

Alexsandro Brito - Artístico

Bárbara Gonçalves - Produção

Emanuele Monteiro - Artístico

Melisse Monteiro - Direção

PRODUÇÃO DO THEATRO DA PAZ

Guiomar Moreira, Giselle Barros, Magda Abdul-Khalek

Nilo Nunes, Priscila Costa

PRODUÇÃO DOS CORPOS ARTÍSTICOS

Anderson Sandim - Produtor da AJB

Bárbara Gonçalves - Assistente da OSTP

Moisés Silvestre - Assistente da AJB

Régis Falcão - Produtor da OSTP

CORPO TÉCNICO ACADEMIA PARAENSE DE MÚSICA

Ana Cristina Sawada, Crislene Moraes, Glória Lopes, Ingrid Bittencourt

Nathanaely Costa, Odir Rodrigues

DESIGNER GRÁFICO

Vinicius Calumby

FOTÓGRAFO

Lucas Mont

CRIADOR DE CONTEÚDO

Pabllo Pantoja

CAMAREIRAS

Ana Paula Araújo, Carla Moraes, Lídia Rodrigues, Vilma Monteiro

Paula Magalhães, Ivonilde Brito, Raquel Leal

EQUIPE DE COSTURA

Iolanda Galdino, Joana Glória, Socorro Souza

APOIO DE FIGURINO

Elcio Lima e Allyster Fagundes

AGRADECIMENTOS

Bell'uommo Premium Allfaiataria

Isabella Blanco Joias

Di Rafaelli Alfaiataria

Valério Silveira Fotografia

EQUIPE DE VISAGISMO

Abraão Carvalho, Fábio Purificação, Leonam Mescouto, Leonardo Veríssimo

Rafael Alves, Raphael Arkanjo, Wesley Vieira

FIGURANTES

Heberson Alcântara, Édson Ferreira, Ryan Pardauil, Yuri Granha

ILUMINADOR DO THEATRO DA PAZ

Rubens Almeida, Carol Sarquis, Camila Souza

CENOTÉCNICA DO THEATRO DA PAZ

Nonato Rodrigues, Ribamar Diniz (Chefe), Rafael Duarte

Maike Nascimento, Diogo Phamphylio

SONORIZAÇÃO

Anderson Sandim, Déborah Carmella, Ely Brito, Lucas Franco

BILHETERIA DO THEATRO DA PAZ

Renan Moura- Gerente, Gabriela Santana, Samuel Moreira, Thiago Alexandre

PORTARIA

Antônio Reimão, Mara Araújo, Paulo Victor Melo

COPA

Josiane Matos e Lindalva Batista