Manifestos em tempos de apatia generalizada – Por Edson Fernando
Montagem Teatral. O Homem e o Cavalo.
Montagem de conclusão dos cursos técnicos da ETDUFPA - Cenografia, Figurino e Ator.
Edson Fernando[1]
Primeiro Manifesto: Aos Homens.
O paradoxo que rege nossa sociedade: cidadão vilipendiado, cidadão apático. Contra esse paradoxo que nos rege, gritar "cidadão" e reconhecer-se "cidadão" com todas as implicações filosóficas, políticas e econômicas que o termo carrega é a afronta necessária que pode causar o colapso do simulacro de democracia que está posto. Primeiro a pátria, depois a urna, depois a chuteira... O reverso disso: a visão passional insana que debate política com a mesma paixão doentia que se discute campeonatos de futebol.
Questão urgente: o que nos une hoje? Constatação imediata: dispersamo-nos em diversas bandeiras. Avanço inevitável: o reconhecimento de pluralidades - de gênero, de sexualidade, de religiosidade, de amar, de viver, de conviver, de sobreviver, apesar...
Consequente questão urgente: como antropofagizar a pluralidade que nos dispersa? Deglutir os diversos dogmas, deglutir as máximas, deglutir as sentenças rígidas e inflexíveis que habitam no âmago dos movimentos, para colocar tudo em movimento, em digestão, em aprendizado dialético que corrobore com o caos - o estado de desordem que desmascara a hipocrisia e a demagogia reinante. Talvez.
Superar a lógica maniqueísta regurgitando as pretensas verdades históricas e universais que deixam estanques os conceitos de "bem" e "mal". A Direita sempre do lado do mal; a Esquerda sempre do lado do bem: ingenuidade nefasta e primária. A Esquerda como eterna redentora messiânica da humanidade; a Direita como algoz por excelência de todos os tempos: burrice com requintes de cristianismo. A presunção de inocência simplesmente por ser de Esquerda: peça publicitária barata, rasa, populista, eleitoreira, demagógica, hipócrita, maquiavélica - os fins justificam os meios?... Autocrítica como antídoto histórico, seja para Direita, seja para Esquerda.
Acerca das ideologias, primeiro rir, rir muito - afinal são todas ridículas. Depois é importante deliciar-se com cada uma delas vagarosa e separadamente, aprimorando o paladar a ponto de perceber o que as torna irremediável e perigosamente muito próximas uma das outras: fanatismo. O desejo de poder, de estar no poder, de permanecer no poder a qualquer custo: Esquerda e Direita.
Reencontrar o corpo nu e tocá-lo. Despir-se das roupas sem inventar uma segunda pele que impeça-nos de ver as genitálias. Desejar as genitálias nuas como premissa renovadora que nos leve ao reencontro com Dioniso. Deglutir a nudez de Adão e Eva regurgitando a vergonha que nasce do pecado original. Devorar os pecados. Todos eles. Pecar, pecar, pecar!
No horizonte do caos renovador o artista dança ao redor da fogueira de suas catequeses. Nenhuma pode ficar de fora do fogo devorador das catequeses morais, sociais, filosóficas, raciais, financeiras, políticas, estéticas - sejam elas pequenas ou grandes. E quando só fumaça houver poderá, então, se dar ao luxo de tragar o ar tóxico e expeli-lo com sarcástica satisfação indisfarçável.
Segundo Manifesto: Aos artistas.
A alegria como fonte de vida. Sim. Isso permanece.
A alegria como fonte da arte. Sim. Isso permanece. Mas quando a indústria do entretenimento coloca suas cartas na mesa o jogo fica túrbido e a percepção, propositadamente, alterada. Trapaça na alegria: a estúpida felicidade alienada da realidade. Ah, tantos carnavais, festivais, musicais, novelais... A eterna "novidade" do ex-ministro da cultura Gil: "de um lado este carnaval...".
O extremo contraponto disso: os chatos de plantão - também conhecidos como politicamente corretos. A esterilização e/ou criminalização do humor. Arte chata sem alegria. Vida chata sem arte, sem alegria. A equação de Andrade continua aberta e solicitando novas experimentações: "A alegria é a prova dos nove".
Que alegria?
O deboche, a irreverência, a sátira, a paródia, o sarcasmo, a ironia, a zombaria, o escárnio, a troça... Algumas variantes legítimas da equação num país de extrema desigualdade social. A eterna "novidade" de Gil: "... do outro a fome total". Sozinhas, no entanto, e aos meus olhos, essas variantes se esvaem num segundo, recaindo, invariavelmente, em algum tipo de formalismo de estilo. Os clichês estereotipados da homossexualidade masculina repetida mil vezes: a gestualidade, trejeitos, gírias e modos de falar fazendo "carão". Tudo igual às conversas de corredor.
E o legado europeu? Dramaturgia, efeito cômico, intriga, catarse, nuances, energia, ritmo, andamento, papel, personagem, dicção, entonação, impostação, marcação de cena, passagem de cena... Deglutir e não digerir: indigestão!
Qual dramaturgia resistirá à exposição quase ininterrupta de clichês estereotipados da homossexualidade masculina repetida mil vezes? E, no entanto, é preciso que se admita que o riso persiste na plateia. Salve o rei Roberto: "MINHA alegria é triste". A paródia se esvanece no horizonte de minha recepção.
Os cacos reforçam a aura dos clichês expandido-os para a conjuntura política da cidade, do estado e do país. A paródia cede espaço para a citação direta: a paródia de Moro é o próprio Moro; a paródia de Zenaldo é o próprio Zenaldo. O perigo que ronda a paródia: quando o objeto parodiado se torna cópia fiel da realidade - em gênero, número e grau de verossimilhança - a paródia se transforma em panfleto.
E quanto à lascividade da pele? Interditada numa segunda pele? O índio veste calção, objetarão alguns. O índio brasileiro é antropófago. Mais do que eu que insisto em reivindicar sua natural nudez de mais de quinhentos anos atrás. Vou voltar pra Tambaba. Lá eu posso revitalizar a energia de meus balangandãs sem culpa ou pecado.
Mas também quero visitar meu Dioniso de estimação. Dançar freneticamente nu, me sentir parte da orgia universal, ir ao encontro daquele carnaval. É o Andrade sempre me lembrando da equação fundamental: "A alegria é a prova dos nove". E a alegria pode vir de longe, do Egito.
Cleópatra acalanta. Pausa para respirar, fruir, refletir... Seu canto pede socorro. Os súditos imediatamente surgem para lhe amparar. A multidão disforme se torna coro: o silêncio interrompido pelo compasso das respirações; os gestos sincronizados; o deslocamento suave do carro da rainha; as expirações em coro compondo a segunda voz na paisagem sonora do canto da rainha. Há alegria no melodrama. Singular momento de minha alegria.
Elogio a arte vigorosa. Pulsa, pulsa, pulsa... Corre, corre, corre... Sua, sua, sua... O perigo do vigor: excesso. Grita, grita, grita... Texto, texto, texto... Anda, anda, anda... Lembrança dos ensinamentos do mestre Marco Palha: "Calma. Senão, fica igual 'cu com caganeira!'".
Antropofagia: a sabedoria que consiste em saber digerir o que se ingeri e como se evacua. Talvez.
Terceiro Manifesto: Manifesto da negativa às avessas
[Este manifesto foi concebido no ano de 2010, em meio às minhas reflexões de mestrado na disciplina Etnocenologia. O Manifesto foi lido em público em 02 de Julho, por ocasião do encerramento da supracitada disciplina. Nesse mesmo dia o Brasil foi eliminado da copa do mundo de futebol daquele ano, tendo perdido por 2 x1 para a seleção da Holanda, resultado que me encheu de intensa alegria. Passados quase oito anos a atmosfera no país é a mesma. Isso me encorajou a revisar e ampliar o manifesto que segue abaixo.]
Cansado de ser censurado por todos aqueles que se escondem por de trás da mascara da tolerância absoluta, mascara esta que dissimula exatamente a imbecilidade reinante no mundo atual e impossibilita o debate crítico e radical contra todo tipo de manifestação artística mercadologicamente concebida, torpe, ignóbil, infame, repugnante e vazia de consistência poética, mas que no fundo objetiva apenas garantir e justificar uma tolerância a lógica nefasta do mercado, e, sentindo-me ainda, dessa forma, impossibilitado de me posicionar contra o fétido chorume artístico intolerável e imprestável que jorra das engrenagens da indústria do entretenimento, pois, quando o faço sou classificado, por tais dissimuladores, como radical, inflexível, obcecado, ortodoxo, irredutível, intolerante, sectário, burguês, branco de privilégios e obstinadamente cego por valores tradicionais e inócuos, rendo-me, então, a dissimulação reinante, e, na impossibilidade de afirmar minha radicalidade contra as pútridas manifestações artísticas, resolvo manifestar minha repudia por meio de uma negativa às avessas, assumindo conscientemente o nível máximo e absoluto de imbecilidade que um ser humano possa atingir, para, desse modo, habilitar-me a fazer parte do coro dos politicamente idiotas, pois afinal, se preciso abrir mão de minha reflexão crítica, que ao menos eu seja um imbecil consciente: consciente do estado de degenerescência dos valores e virtudes humanas.
Desse modo, aliviado com o peso que acabo de retirar das costas e me chafurdando no delicioso lamaçal contemporâneo, desfruto o prazer da plena irresponsabilidade do sentir alcançando a beleza, antes obscurecida pela luz da razão, de uma teledramaturgia global que compensa nosso péssimo hábito de povo que não lê, e, no fundo o péssimo hábito converteu-se em salutar virtude que nos redime da ignorância dos livros; alcanço a beleza da realidade teatralizada dos realy shows, e presto justa homenagem ao nosso poeta maior, Pedro Bial, àquele que nunca havia deixado de lado sua veia poética e que soube como ninguém retratar, através de crônicas, o drama existencial do homem confinado em busca do sonho de notoriedade; a beleza da sonoridade histérica das músicas de rebolado provocante e sensual, nas quais as letras de rima fácil, nos redimensionam para a ontológica lascividade dionisíaca; afastado da caverna racional que me aprisionara por tanto tempo consigo agora sentir o legitimo frescor ateniense de nossa democracia brasileira, percebendo a grandiloqüência de nossos estadistas locais, regionais e federais cujo projeto político-ideológico mantém estreita aliança com as engrenagens da beleza elevada de nossa sociedade; e até mesmo consigo alcançar a beleza do futebol arte da seleção atual [leia-se 2010], do qual seu ícone maior é sem dúvida o técnico Dunga, e desse modo, me encho de orgulho e alegro-me sobremaneira por ser um cidadão-membro da pátria de chuteiras, com chuteiras ou da chuteira.
E nada mais havendo a dizer, a não ser do meu extremo orgulho por ter alcançado condição tão ignóbil, presto homenagem ao cancioneiro popular nacional, recitando alguns versos de sucesso, expressão da identidade cultural do nosso povo e que deve ser motivo de nosso regozijar coletivo.
[2010]
Lobo Mau (Anjos do Melody)
Eu sou lobo mau (4x)
O que você vai fazer?
Vou ti comer (6x)
O que você vai fazer?
Vou ti comer (6x)
Chapeuzinho onde você vai, diz ai menina que eu vou atrás (4x)
Pra que você quer saber?
Eu sou lobo mau (4x)
O que você vai fazer?
Vou ti comer (6x)
O que você vai fazer?
Vou ti comer (6x)
Oh merenda boa, bem gostosinha quem preparou foi a vovozinha
Eita danada, eita!!!
Oh merenda boa, bem gostosinha quem preparou foi a danadinha
Eita danada, eita!!!
O que você vai fazer?
Vou ti comer (6x)
O que você vai fazer?
Vou ti comer (6x)
[2018]
Que Tiro Foi Esse (Jojo Maronttinni)
Que tiro foi esse?
Que tiro foi esse que tá um arraso?! (4x)
Samba
Na cara da inimiga
Vai, samba
Desfila com as amigas (2x)
Quer causar, a gente causa
Quer sambar, a gente pisa!
Quer causar, a gente causa
Quem olha o nosso bonde pira (2x)
Então samba
Na cara da inimiga
Vai, samba
Desfila com as amigas (2x)
Que tiro foi esse, viado?
Que tiro foi esse que tá um arraso?! (2x)
Samba
Na cara da inimiga
Vai, samba
Desfila com as amigas (2x)
Quer causar, a gente causa
Quer sambar, a gente pisa
Quer causar, a gente causa
Quem olha o nosso bonde pira (2x)
Então samba
Na cara da inimiga
Vai, samba
Desfila com as amigas (2x)
Quarto Manifesto: O reino da fantasia de Lula Lelé.
Socoooooorro!
28 de Janeiro de 2018.
[1] Ator e diretor teatral; Coordenador do projeto TRIBUNA DO CRETINO.
Ficha Técnica:
Montagem teatral:
O Homem e o Cavalo
Direção de Atores e Encenação:
Paulo Santana e Marluce Oliveira
Direção de Visualidade:
Iara Regina
Criação de Sonoplastia e Cartaz:
Raphael Andrade
Operação e Criação de Sonoplastia:
Juliana Bentes.
Projeto de iluminação:
Bolyvar, Manu, Leo, Humberto e Luan
Operação de mesa de luz:
Bolyvar
Criação de Figurino:
Iara Mendonça, Isabella Vallentina, Rosiete Santos, Thais Sales.
Assistentes de Figurino:
Sônia Decolores, Juliana Bendes, Bruno Sacramento, Flávia Flor.
Criação de Cenografia:
Boliyvar Moreira, Léo Andrade, Luan Artpay e Manuela Dela. Humberto Malaquias.
Assistentes de cenografia:
Madu Santos, Paulo Bico, Winnie Rodrigues, Manuela Dela.
Elenco:
Aj Takashi, Jeff Moraes, Ysamy Charchar, Yuri Granha, Marvin Muniz, Loba Rodrigues, Igor Moura, Joed Caldas, Bonelly Pignatário, Felipe Almeida, Romana Mello, Luana Oliveira, Tarsila Amaral, Sandra Wellem, Hudson dos Passos, Ruber Sarmento, Enoque Paulino, Marina Lamarão, Renato Ferber, Helaine Sena, Marina Gusmão, Simon bayssat, Cinara Moraes, Enzo Burlos, Lucas Serejo, Valéria Lima,Leandra Lee.
Estagiários do Curso de Licenciatura em Teatro:
Isabella Valentina, Thiago Batista, Gabriel Luz,
Tais Sawaki, Raphael Andrade e Joyse Carvalho.