MaréS CheiaS, PREAMAR – Por Karimme Silva

18/12/2019

Montagem: Arauandê - Os Rios de Minh'alma.

Montagem Teatral: Cursos Técnicos em Ator, Cenografia e Figurino Cênico da ETDUFPA.

Karimme Silva[1]

Rio

de muitos nomes,

Ser

de muitas

de muitas formas e fomes.


Espelho contra espelho

rio só linguagem

rio sim sêmen de Deus.

Amazonas

água e lama

vogais e consoantes.

Que outro nome corre no teu leito,

se outro rio corre no teu nome?

Rio, superfície de si mesmo

e Mar além de si.

Água antes de si

(Inexistência)[2]


Para quais direções correm os cursos dos rios?

Sobre eles, quem vem e vai?

Quem passa? Quem fica?

Quem deixa e leva?

O "lá", entre tantos lares se torna o "aqui" pela memória.

Há o porto e o pôr do sol.

Algumas nuvens negras

mas quem manda na chuva é a maré.

Maré que leva ou traz?

Entre corpos mareados, viajantes, viajados

no percurso beira-rio, se destrincham tantos "lás".

O lá daquela mãe que perdeu o filho

o lá da menina

o lá da infância.

Que não é o hoje, mas que chega aqui.

Histórias de outras margens, cursos, afluentes.

≈≈≈≈≈

Há tempos, se es(ins)creve sobre o rio.

Que não se move somente pelas águas

mas o curso do rio-tempo.

A gente daqui, da ribeira amazônica,

sabe que rio é memória.

Que o rio é caminho de um porto a outro.

O porto de agora e o do passado.

Quais os cursos dessas memórias?

As luzes se acendem sobre o porto.

Madeira, chão de ponte, piso forte.

As estruturas balançam e vergam

mas sustentam o fluxo.

Observo os corpos, a Cobra.

Corpororocas, superfícies da/n'água.


Rua de terra no fundo

Superfície d'água

Eu vim de lá...

Eu vim de lá...

Arauandeiro, Arauandá


Encantarias pedem passagem

entre o aqui e o lá

o real e o imaginário

a cena e a vida.

As criaturas atravessam

carregam suas malas

e tantas outras bagagens da lembrança.

Elas se vestem de plástico

paneiros, rótulos, borrachas de sandálias

trazem objetos reais

em construções do imaginário.

Estes seres possuem pinturas

pelo rosto e corpo

não é algo do aqui nem do agora.

≈≈≈≈≈

O rio de corpos deságua em palavras

e cada texto exprime o passado

transborda no hoje

se enche para caber

de tantas ondas-lembranças.

Lá atrás e lá no fundo

existem tantas coisas

cantos de Iaras

Sereias

Botos

Iemanjá

entre outras tantas forças

que a terra não compreende.

Forças opostas:

de um lado, uma coreografia fluvial

do outro lado, outra

um lado dos encantados é enchente

o outro, se move em vazante

movimentos repetidos

como o balançar dos barcos

e o que corre no meio: a viagem.

≈≈≈≈≈

Existe aquele viajante

que vende trecos e troços

mas que está além

um pé no rio, outro na terra

e o corpo pulsando entre o caos e o cais

disparando espasmos da memória.

Existe aquela mulher

imponente, poderosa

onipresente

que me lembra Nanã

a mãe d'água

e a dona Carmelita[3]

Existem também as três ciganas

que jogam o destino dos viajantes

como se jogassem as redes de pesca n'água.

E existe aquele som

o barulho das águas

que deixa os corpos leves

mulheres fazem (e trazem) som

batuques, tambores, percussões, vozes

mulher é água.

≈≈≈≈≈

Nos cursos da memória

e nas inscrições no corpo

os rios seguiram seus fluxos

em paisagem, poética e potência.[4]

Materializando-se em cena, movimento, passagem.

Atuantes-rios, público-margem.

Arauandê[5], Arauandá

MaréS cheiaS, PREAMAR.

18 de dezembro de 2019.


[1]Psicopedagoga, Atriz formada pelo Curso Técnico em Ator da ETDUFPA, artista-pesquisadora e mestranda do programa de Pós-Graduação em Artes (PPGARTES/UFPA). Pesquisadora navegante.

[2]LOUREIRO, João de Jesus Paes. Obras reunidas (3.vol.). São Paulo: Escrituras Editora, 2000.

[3]Personagem interpretada por Lia de Itamaracá no filme "Bacurau" (2019) de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles.

[4]Três categorias pelas quais o rio desaguou no artigo intitulado: "Caminhos Marajoaras: o rio enquanto paisagem, poética e potência artística", elaborado no primeiro semestre do mestrado em Artes.

[5]Espetáculo apresentado pelos concluintes das turmas dos cursos técnicos em Teatro, Cenografia e Figurino Cênico da Escola de Teatro e Dança da UFPA (2019). Destaco a escolha da locação, o cartaz e a visualidade deste processo, os quais dialogaram de forma fluida com a proposta e o percurso cênico da obra apresentada. 

FICHA TÉCNICA

Elenco:

Anna Clara Andrade

Arthur Perdigão

Augusto Neves

Brenda Britto

Carla jardim

Danilo Rocha

Gabriel Di Preto

Gilson Santos

João Santa Brígida

José Neto

Julis Albuquerque

Laís Bezerra

Letícia Moreira

Lucas Del Corrêa

Marina Di Gusmão

Marina Moreira

Matheus Amorim

Matheus Magno

Melissa Souza

Pedro Henrique Dias

Ramon Dekken

Sarah Prazeres

Tarcísio Gabriel

Tertuliana Lopes

Vanessa Duarte

Wanessa Guimarães

Wesley Santos

ENCENAÇÃO:

Andréa Flores e Marluce Oliveira

DRAMATURGIA:

Colaborativa 

Dramaturgistas:

Glauce Rocha, Penélope Lima e Vanessa Farias

ASSISTÊNCIA DE DIREÇÃO:

Andrey jandson, Ingrid Gomes e Victória Souza

DIREÇÃO MUSICAL:

Andrey jandson, Gabriel Di Preto e Victória Souza

MUSICISTAS:

Duda Souza e Katarina Chaves

FIGURINO:

Bárbara Jubin, João Paulo Faísca e Leeandra Lee Vasconcelos

ASSISTENTES DE FIGURINO:

Hugo Corrêa, Luciano Cantanhede e Theus Iconic

CENOGRAFIA:

Farid Zahalan, Hanna C. Blue, Juh Silva e Nine Ribeiro

ASSISTENTES DE CENOGRAFIA:

Caê Jestas - CSJ, Felipe Neves, Kildren Pantoja, Lee, Oiran e Rúbia Abati

COORDENAÇÃO DE VISUALIDADE:

Juliana Bentes e Paulo de Tarso

ASSESSORIA DE IMPRENSA:

Lucas Del Corrêa

IDENTIDADE VISUAL:

Tarcísio Gabriel e Sarah Prazeres

FOTOGRAFIAS:

Danielle Cascaes e Tarcísio Gabriel