Mas quem brilhou foi o tatu? – Por Escalafobética

19/06/2025

Montagem: Ópera Cobra Norato – Terras do Sem-fim

Escalafobética[1]

Ópera com todos os predicados, anunciada com toda pompa e circunstância, pretensão grandiosa como a grande obra do Festival de ópera do Theatro da Paz, ficou em temporada de 26 a 30 de abril de 2025.

Dirigida por ninguém mais ninguém menos do que Carla Camurati, como não esquecer de Carlota Joaquina, um marco no cinema brasileiro. Norato, foi inspirada no poema de Raul Bopp (poeta e diplomata Rio Grandense 1898-1984, pertencente ao movimento modernista/antropofágico), com libreto de Bernardo Vilhena, música de André Abujamra, regência do Maestro Silvio Viegas, orquestra do Teatro, Parte dos solistas, Coro e equipe da Cidade de Belém, cujos nomes não constam na ficha técnica, que desde já nota-se.

Orquestra

Como estrutura de ópera estava tudo lá, dividida em dois atos, orquestra impecável, a reprodução dos sons da floresta, da mata, que ao povo desta região amazônica, PARAENSES é especialmente familiar, foi arrebatador e capaz de teletransportar para um universo particular em alguns minutos é digno de toda reverência, parabéns ao maestro, parabéns aos musicistas, cujos nomes deveriam estar na ficha técnica.

Coro

Muito bem-preparado, coreografado, cujos nomes dos cantores, ensaiadores, bem como da coreógrafa a bailarina Ana Unger, deveriam estar na ficha técnica, a final o resultado é o trabalho da equipe certo?

A equipe técnica regional não é mencionada em nenhum momento, o que é um desrespeito, isso precisa ser corrigido, é importante dar o mesmo peso e valor aos artistas regionais e mencionar seu nomes, dessa forma: coreógrafos, cantores, atores, musicistas, figurinistas, entre outros, pois o espetáculo é resultado da construção da equipe.

Figurinos

Na maior parte foi bem pensado. Contudo se a norato e a boiúna são cobras grandes, necessitavam ter destaque nesse figurino, o que se apresentou foi medíocre, faltou alguém com um olhar do norte, faltou pesquisa, faltou um olhar corajoso para notar e corrigir o que para o nortista é óbvio.

Na cena na estrutura do palco ao fundo, projeções da floresta amazônica se transformam em um organismo vivo. Propõem através das imagens: pulsações, respirações visuais que acompanham o ritmo da cena. Árvores que se agitam como se falassem, rios que correm ao contrário, olhos que surgem entre as folhas — tudo colabora para criar um cenário mutante, ora úmido, lisérgico. A floresta, projetada em camadas de luz e sombra, é personagem.

O tenor Jean William, no papel de Cobra Norato, entrega uma performance de altíssimo nível, com domínio vocal e cênico absoluto. Sua presença em cena é magnética, e sua voz bem colocada, apresenta brilho, precisão e expressividade. Sua atuação dramática poderia ser mais desenvolvida.

Ao seu lado, a força vocal de Anderson Barbosa, também como solista de Cobra Norato, destaca-se pela potência e densidade interpretativa, em contraste harmônico com a leveza luminosa de Jean William.

Já Idaías Souto, no papel do carismático Tatu de Bunda Seca, conquista o público com um personagem cômico e afetuoso, mistura de sabedoria e travessura, compondo um dos momentos mais encantadores da montagem, este sim brilhou.

A soprano Lys Nardoto, no papel da Rainha Luzia, surge como uma entidade de rara intensidade. Sua voz, de timbre límpido e poder dramático, paira sobre a cena com autoridade na dose certa. Com presença cênica elegante e precisa, ela imprime em poucos minutos um impacto duradouro — sua breve participação deixa o público suspenso entre o assombro e o desejo de vê-la mais tempo em cena. É uma aparição fulgurante, digna da realeza encantada que representa.

Ao reunir intérpretes potentes, visualidade impactante e uma escuta atenta ao Brasil profundo, a ópera afirma que o imaginário popular é terreno fértil para a criação artística de excelência.

Narrativa

A história apresenta narrativa toda regional indígena, personagens pertencentes ao imaginário, ao mundo fantástico das lendas e mitos amazônicos, ambientado sob a fauna e flora amazônica, as protagonistas: Norato e Boiúna.

Quem é responsável pela adaptação da obra se propôs a apresentar ao mundo um microcosmo do que são as lendas e mistérios amazônicos. A aposta trouxe na produção nomes importantes no cenário teatral brasileiro, prometeu, entregou, mas não cumpriu.

Essa turma vem de fora, contar histórias nortistas, se apropriam das narrativas, e erram, quando claramente não estudam, e na hora "h!" metem os pés pelas mãos, só que nortista entende de arte, sobretudo de ópera, de cultura, pega no ar, isso é inaceitável.

Se o enredo concentra na é todo estruturado na narrativa INDÍGENA e desenrola-se sob o olofote do folclore mitológico da região norte, o que justifica a presença da norato, boiúna, do indígena, do pajé, estava indo tudo bem até que em determinado momento, surge a figura de nossa senhora de Nazaré do nada, como entidade sobrenatural que abençoa e dá permissão para os personagens virarem encantados? Nãoooooo!!!

A pergunta é automática: se a narrativa é indígena, indígena é católico? Percebam isso não é uma crítica ou qualquer censura a religião, é uma análise independente, focada na narrativa.

O pajé ou a pajé são por si só reconhecidos como liderança religiosa dos indígenas, não existe subserviência à figura de Nossa senhora de Nazaré, isso é um erro grave de narrativa, por consequência do enredo.

Ainda que seja argumentado que: "existem indígenas católicos", todos já sabem, ou deveriam saber que isso aconteceu sob catequização, conversão forçada, mais um motivo para dentro de uma proposta cuja narrativa é toda estruturada na cultura indígena, a autonomia indígena ser respeitada.

Ainda que a encomenda da produção tenha sido feita com o pedido de em algum momento inserir a figura de Nossa Senhora de Nazaré, que é digna de todo respeito, que remete ao Círio de Nazaré reconhecidamente algo que só vivendo para saber, isso não pode ofuscar a narrativa da proposta.

O pajé ou a pajé, o indígena não é devoto de Nossa Senhora, porque o indígena não professa o catolicismo, não cabe a essa entidade católica ser o agente que dá a palavra final sobre ENCANTARIA.

Se na encomenda havia o pedido expresso para inserir no enredo a figura de Nossa Senhora de Nazaré, que fosse feito, mas jamais tendo autoridade mística sobre o pajé, não cabe ela ser o agente ou a entidade mística responsável pelo encantamento dos personagens principais, isso é erro de narrativa

O nortista quer fazer parte da nação, sempre quis já disse o poeta. Essa galera de fora precisa entender que não basta ler um poema de alguém que por mais importante que seja, ele não viveu, tampouco nasceu, nem foi criado na região, portanto não é suficiente, precisa estudar, precisa compreender. O nortista entende de arte, não se pode engolir e dizer que está bom quando não está.

A obra é importante, é um olhar sobre a cultura do NORTE do País, mas não pode ser colocada de qualquer forma, porque sim será visto, será notado, é um insulto. Quer falar do Norte, estude, pesquise e mostre a narrativa coerente.

Imaginem se um paraense, um amazonense, um amapaense, vai pro sudeste ou pro sul, e apresenta uma obra com um furo na narrativa como esse?, o que aconteceria com essa pessoa?

Em tempos de COP 30, onde diversos jornalistas e comunicadores da região sudeste e sul do país, gastam seus verbos para enfatizar os defeitos, desgraças, desorganização regional, reforçando o estigma ruim, equivocado, perverso e mentiroso sobre esta região do país. É importante dizer que a crítica é saudável, mas não quando apenas serve para destilar veneno, reforçar estigmas negativos, xenofobia e preconceito, pois há muitos que ainda possuem uma visão completamente distorcida sobre esta região. Falam como se os lugares em que vivem fossem a Disneylândia, quando todos sabem que não são.

É imperioso dizer sim e reconhecer que Cobra Norato tenta ser um ritual de brasilidade, apresenta um mergulho estético, simbólico e profundo nas águas do mito, do modernismo e da floresta, a montagem atualiza com vigor e originalidade o poema de Raul Bopp, entrelaçando teatro, música, poesia e imagem em uma experiência sensorial rara no cenário lírico contemporâneo.

A proposta foi grandiosa, prometeu, entregou, mas definitivamente não, não cumpriu, o erro foi visto, foi objeto debate, INCOMODOU SIM!, e os responsáveis precisam saber ao pretender contar histórias do Norte do Brasil, é imprescindível estudar, pesquisar com profundidade, enaltecer também os profissionais e artistas locais, oferecer o melhor tratamento e destaque, são camadas profundas do que se compreende por RESPEITO, é importante que todos saibam que sim, foi visto, ficou feio, pegou mal, não foi engolido, tampouco passou despercebido.

A estrela era a Norato, mas, quem brilhou foi o tatu!

19 de junho ode 2025

[1] Estudante de licenciatura da universidade Federal do Pará, atriz etc...; Bolsista PIBIPA 2025; 

Ficha técnica:

Equipe da Cidade de Belém: cujos nomes não constam na ficha técnica no site o Theatro da Paz, está no texto porque foi pesquisado

Espetáculo: Ópera Cobra Norato, Terras do Sem Fim

Autor do Poema Original

Raul Bopp

Idealização do projeto e Libreto

Bernardo Vilhena

Direção Artística

Carla Camurati

Música

André Abujamra

Direção Musical e Regência

Maestro Silvio Viegas

Direção de Arte

Batman Zavareze

Figurinos

Ronaldo Fraga

Desenho de Luz

Wagner Pinto

Coreografia

Ana Unger

Visagismo

Omar Júnior

Direção de Produção

Bianca De Felippes

Produção Executiva

Nandressa Nunes

Solistas

Jean William

Marly Montoni

Anderson Barbosa

Idaías Souto

Lys Nardoto

Ytanaã Figueiredo

Elizabeth Moura

Ione Carvalho

Doppiones

Tiago Costa

Tassiane Gazé

Ytanaã Figueiredo

Orquestra Sinfônica do Theatro da Paz, de Belém do Pará – OSTP

Regente Titular e Diretor Musical Adjunto

Miguel Campos Neto

Regente Assistente

Laura Mathias Gentile

Coro do Festival de Ópera do Theatro da Paz

Maestro do Coro

Vanildo Monteiro

Dramaturgia

Ligiana Costa

Assistente de Direção

Emanoel Freitas

Assistentes de Produção

Gabriela Newlands

Calu Tornaghi

Assessoria de Imprensa e Redes Sociais

Cléo Soares

Jeferson Höenisch

Pianista Correpetidora

Ana Maria Adade

Legendas

Gilda Maia

Diretor de Palco

Claudio Bastos

Contrarregra

Laura Conceição

Camareira

Paula Magalhães

Operador de Som

Anderson Sandim

Operador de Vídeo – Ensaios

Walmir Queiroz

Maquinistas

Ribamar Dinis

Nonato Rodrigues

Assistente de Iluminação

Carol Sarquis

Estagiária de Iluminação

Patrícia Gondim

Assessoria Jurídica

Roberto Silva

Making of

Pietra Baraldi

Programação Visual

Berna Magalhães

Criador de Conteúdo Visual

Índio San

Animador de Vídeo Cenário

Duda Souza

Editor de Vídeo Cenário

João Oliveira

Assistente de Direção de Arte

Gabriel Silveira

Assistente de Arte

Teresa Ribeiro

Produção Audiovisual

Miriam Peruch

Assistente de Figurino Belém

Cláudio Rego

Acessórios

Mariane Sampaio

Assistente de Figurino

Rodrigo Januário

Modelagem

Rosângela Moura

Sapatos

Virgínia Barros

Acabamentos Figurinos Belém

COOSTAFE - Cooperativa Social de Trabalho Arte Feminina Empreendedora

Co-realização

Secretaria de Cultura do Governo do Pará

Patrocínio

Instituto Cultural Vale

Realização