Me deixem sair!!! – Por Ivana Matos

31/01/2019

Montagem Teatral: A Casa de Bernarda Alba.

Montagem: Práticas de Montagem da escola de Teatro e Dança da UFPA.

Ivana Ignêz Barbosa de Matos[1]

Não sou bem-vinda nesta casa, mas como poderia ser?! Minha mente fere o modelo de compreensão desta família, meu fardo é pesado demais para qualquer princípio cristão adotado neste lar. Os atos que deveriam vir para o bem, alimentam mais a minha vontade de sucumbir. Surtei - inutilmente. As portas não se abrem para mim.

Dispus-me então a apenas assistir angustiada as palavras adoecidas que minhas meninas vestiam para um espetáculo vergonhoso de aparências. Acompanhando, amordaçada, a tirania submetida à elas, que obdeciam rigorosamente um falo impotente na mão da mais infeliz. Tal poder disciplinar é uma espécie de herança invisível da finada imagem do pai, somado à algema social imbricada nas paredes da casa, que por condenação, divina ou humana, tem de pagar por oito anos de um caloroso inferno. Todas pagamos. A luz, da noite e do dia, não tocava minha pele. Na pele delas, a iluminação se perdia por entre os rostos, dificultando algumas vezes minha percepção. Não sei se pela minha idade ou pelo embaraço que pude notar em algumas articulações, deixei de ouvir detalhes que talvez fossem importantes para as minhas análises.

O desconforto que a todo o momento implodia em mim era também provocado pelo grave sonoro de uma trilha confusa, a qual os vocais masculinos engoliam meus silenciosos "ais". Era óbvio que minhas queixas não chegariam a ninguém, mesmo que chegassem, difícil seria distinguir as notas do meu choro com as do blues patriarcal de um encantador Jim Morrison. Nem Adela, que tinha muito mais energia, sabendo burlar melhor as limitações impostas, conseguiu atravessar o som intimidador do sistema, muito menos percorrer os campos escuros da liberdade, quer dizer, até que provou da liberdade, desafiando a estrutura que se enraizava nos seus pés. Acontece que do mesmo modo que uma fagulha acende por mudanças, ela é capaz de acidentalmente incendiar os próprios sonhos, como chamas incontroláveis de desgosto. Disto entendo bem, o conflito dos valores indo de encontro aos da moralidade, a sanidade subindo pelas paredes enquanto que o caos de uma alma reprimida transborda pelas frestas do corpo. Esse corpo cresceu, tomando espaço à medida que as peças essenciais assumiam uma posição de xeque.

Divaguei entre diversas estratégias por um bom tempo, visualizando do ponto em que estava para além da porta, uma mesa comprida. Era ali que eu precisava jogar, apostar todas as fichas em troca da liberdade das minhas garotas. Até que vi meu cavalo fugir atônito do estampido da espingarda, cabendo a minha rainha a jogada final, já que da minha posição não se podia fazer absolutamente nada. Foi o momento de maior tensão, olhos atentos a tudo e a todos... e então, mate! Morte à rainha. Acabou, não existe rei para se esperar absolvição, pois apesar dos fios invisíveis da doutrina, e dos corpos masculinos incorporando a mim e a todas, no tabuleiro do jogo, as peças manipuladas são as mulheres, e somente delas que poderia vir a salvação.

Minha imagem que antes era mínima, não conseguindo alcançar, quem sabe, o entendimento necessário, tornou-se depois uma embalagem descartável da minha mente subversiva, do meu corpo velho que desde o início estava condenado a ficar preso em um quarto escuro. De dentro da casa que as portas não se abrem, nem com gritos, nem com chutes, fui incapaz de me libertar da teia desgraçada da minha pobre filha, sangue do meu sangue, maldita seja ela instrumento do meu algoz, maldita seja: BEEERRRNAAARRRRRDAAAAAA!!!!!!!

31 de Janeiro de 2019.


[1] Estudante de Jornalismo da Universidade Federal do Pará; Participante do Projeto TRIBUNA DO CRETINO. 

Montagem Teatral:

A Casa de Bernarda Alba

Montagem: Turma do 1º Ano / Cursos Técnicos da ETDUFPA (Cenografia, Figurino e Ator)

Elenco:

Bernarda - Laís Bezerra e Amorim
Poncia - Tarcísio Gabriel e Julis Albuquerque
Angústias - Melissa Souza e Danilo Rocha
Adela - José Neto, Anna Clara Andrade e Carla Jardim
Martírio - Marina Di Gusmão e René Coelho
Madalena - Arthur Perdigão, Alice Leite Carneiro, Pedro Dias e Brenda Brito
Amélia - Sarah Prazeres, Lucas Del Corrêa, Vanessa Duarte e Gabriel Oliver
Maria Josefa - Matheus Magno e Tertuliana Lopes
Criada - Wanessa Guimarães e Wesley Santos
Mendiga - Gilson Santos, Letícia Moreira e Ramon Dekken
1ª mulher - Carla Jardim, Pedro Dias, Anna Clara Andrade e Arthur Perdigão
2ª mulher - Gabriel Oliver, Vanessa Duarte, Lucas Del Corrêa e Sarah Prazeres
3ª mulher - Letícia Moreira, Gilson Santos e Karla Cozta
4ª mulher - Ramon Dekken e Karla Cozta
Moça - Brenda Brito, João Paulo Brígida e Alice Leite Carneiro
Prudência - João Paulo Brígida, Karla Cozta, Marcelo Nazeano e Letícia Moreira.

Cenografia:

Anne Loureiro, Madu Santos, Mih Sousa, A.J. Takashi, E' Carvalhal, Daniel Lisboa, Jamile Freitas, Manuela Soutello, Nadie Bentes, Nicolle Bittencourt e Thiago De La Cruz.

Figurino e Maquiagem:

Socorro Ribeiro, Paulo Galvão, Marcilene Gonçalves, Isabel Moura, Waxel Silva, Jéssica Lais e Lucileide Cardoso.

Iluminação:
Criação coletiva do grupo de cenografia.

Direção:
Karine Jansen e Larissa Latif.

Assistência de Direção:

Amanda Linhares e Rick Brandão.

Coordenação de cenografia, figurino e iluminação:
Iara Souza

Sonoplastia:
Vitor Menezes

Arte:
A.J. Takashi.