O artista, a história e o tempo – Por Alberto Silva Neto

02/03/2020

Montagem teatral: Abraço.

Montagem: Grupo Cuíra.

Alberto Silva Neto[1]

A remontagem de Abraço, pelo grupo Cuíra, para festejar os 90 anos de Cláudio Barradas, representa a celebração da trajetória irretocável do nome mais importante na história do teatro paraense. Ator, diretor e professor responsável pela fundação de inúmeros grupos e formação de várias gerações de artistas da cena, ele ultrapassou a fronteira dos palcos e teve passagens marcantes também pelo rádio, cinema e televisão.

Em cena, Barradas protagoniza com cativante desenvoltura a história de um homem velho e solitário que, certa noite, recebe a visita impiedosa da morte. O espetáculo tem coatuação de Zê Charone e texto de Edyr Augusto, que também assina a direção. Criado originalmente há dez anos, Abraço voltou em cartaz no final do ano passado, na Casa Cuíra, e realizou duas sessões abertas ao público no último final de semana, dentro da programação artística para celebrar os 33 anos do Teatro Margarida Schivasappa.

Assistir a Cláudio Barradas é uma aula e tanto de atuação cênica. Herdeiro de uma "escola" caracterizada pelo domínio absoluto sobre a voz impostada, nosso mestre maior - apesar da idade avançada, que já impõe certas limitações ao corpo e aos movimentos - consegue oferecer ao espectador uma partitura vocal repleta de nuances, na qual cada palavra do texto possui cor, ritmo, temperatura e musicalidade singulares.

Mas, ensinamento ainda maior vem da maneira como este ator aborda a dramaturgia cuja ênfase está numa atmosfera sombria marcada pela melancolia e desilusão diante da vida. Por ser dono de uma admirável vitalidade do espírito e senso de humor incorrigível, Barradas recusa ceder aos caminhos apontados pelo autor e imprime à representação um ar irônico, através do qual o artista parece rir da condição do próprio personagem. O resultado é uma interessante contradição que enriquece a encenação.

Além do acontecimento que é levar Cláudio Barradas ao palco, Abraço também conclui um ciclo de espetáculos do Cuíra protagonizados por artistas pioneiros do nosso teatro moderno, constituindo um significativo memorial da cena paraense. Tudo começou há exatos 25 anos, com Nunca houve uma mulher como Gilda, protagonizado por Gilda Medeiros. Na sequência vieram Palco iluminado, solo de Cleodon Gondim; Toda minha vida por ti, que reuniu no mesmo elenco Nilza Maria, Mendara Mariani e José Carlos Gondim (os dois últimos in memoriam); Hamlet - Um extrato de nós, com a volta desse mesmo trio; e, mais recentemente, Sem dizer adeus, também com atuação de Barradas.

Trata-se, sem dúvida, de um percurso poético que merece reconhecimento e lugar de destaque na história recente do teatro feito no Pará. Por essa razão, o coroamento merecia ter Cláudio Barradas como protagonista. Ao vê-lo caminhar pelo palco - sua casa ao longo de nada menos que 77 anos! -, o que nos é dado a ver não se resume à trajetória de um artista esculpida no tempo. Mais que isso, a presença cênica de Cláudio Barradas apresenta diante de nossos olhos a própria história e o tempo encarnados.

2 de março de 2020.


[1] Professor da Escola de Teatro e Dança da UFPA; Dr. em Artes pelo DINTER UFMG/UFPA. 

Ficha Técnica

Montagem Teatral:

Abraço

Atuação:

Cláudio Barradas e Zê Charone.

Dramaturgia e direção:

Edyr Augusto.

Cenografia e figurinos:

Bah Sampaio.

Iluminação:

Iara Regina de Souza.