O Beijo Digital - Por Afonso Gallindo

30/10/2018

Montagem Teatral: Como Coloquei Um Caracol Em Seus Seios.

Realização: Estúdio Reator.

Afonso Gallindo[1]

Atualmente muito se fala em convergência no mundo contemporâneo. Confesso estar atendo a isso em minha expressão, o audiovisual, mas sempre me pergunto de que maneira se dará em outras áreas de expressão da arte. Tive a oportunidade de presenciar isso no teatro ao assistir a montagem que está em cartaz no Estúdio Reator, lugar que sempre que possível tenho a satisfação em observar a experimentação cênica, sem os receios percebidos em outros espaços clássicos e/ou em algumas montagens na cidade.

Nela, a dramaturgia de Matëi Visniec, dramaturgo e poeta franco-romeno, ganhou novos e ricos elementos narrativos na ótica de Nando Lima, e claro, somados a atuação da atriz paraense Margaret Refkalefsky.

Este texto, que em sua essência é um monólogo, tonteia no jogo de cena estabelecido entre a protagonista e um segundo ator, André Mardock, presente somente em imagens e áudio. Esta nova faceta, se me permitem dizer "cosmopolita da arte", foi alinhavada pela propriedade de cena da atriz e pela delicada costura do diretor. O processo me permitiu visualizar um diálogo "virtual", onde quase é possível adentrar graças as nuances possibilitadas nos trechos de áudio e vídeo do ator presente/ausente e pela interação assegurada pela presença física da atriz em cena.

O universo inicialmente apresentado, um quarto imerso no azul, torna-se profundo a partir de portais repletos de cores, oriundos de projeções. Graças a efeitos de luz, projeções, trilha sonora e áudios diversos, a então "restrita" boca de cena se amplia, ganhando características atemporais e de profundidade, nos permitindo vagar por "dentro" da narrativa, retirando assim o caráter meramente contemplativo de mero espectador.

Sobre a protagonista, me limito apenas em expressar a satisfação de presenciar o vigor e o talento de uma das divas do teatro paraense em plena atividade, onde passeia tranquila e plena, como que deslizando na cena de forma marcada e conscientemente precisa. Tanto presencialmente quanto virtualmente pelas projeções em vídeo, ela integra sem romper em um único momento o link com a personagem ali materializada, concretizando a relação entre o empréstimo consentido de seu corpo/pessoa para aquela que representa várias mulheres no tempo-agora.

A delicada linha, que graciosamente somos convidados a transpor pelas lentes de Dudu Lobato e conduzidas pelo diretor é outro aspecto que chama atenção. Cinema no Teatro ou Teatro no Cinema? A reposta disso somente terá quem se permitir viver o processo. Suas construções em vídeo, com claras referências ao cinema alemão contemporâneo, dão sustentação a delicada tapadeira que separa o tempo/espaço na narrativa, sob o tempero das projeções em mapping por onde Nando Lima permite apresentar elementos de localização e fixação próximos a nossa realidade ou não...

Neste, não cabe somente a reflexão da mensagem contida no texto e inicialmente percebida por mim na forma de looping, mas também pela interpretação e o jogo de cena ali apresentado. Reside também sobre a tecnologia no futuro da arte local, na validade de uma maior absorção das ferramentas tecnológicas disponíveis por seus agentes e de que maneira seu emprego se dará nas diversas expressões artísticas da arte paraense.

29 de Outubro de 2018.

[1] jornalista e documentarista; Participante do Projeto TRIBUNA DO CRETINO.

Ficha Técnica:

Montagem:

Como Coloquei Um Caracol Em Seus Seios

Dramaturgia:

MatëiVisniec

Atriz:

Margaret Refkalefsky

Cenografia, Iluminação, Vídeos e Direção:

Nando Lima

Participação Especial:

André Mardock

Fotos e Câmera:

Dudu Lobato

Realização:

Estúdio Reator