Porque um dia agente cansa – Por Escalafobética
Desmontagem: CURUPIRÁ
Coletivas XOXÓS
Escalafobética[1]
Era, 26 de maio do ano de dois mil e vinte e três, às 19hs no espaço cultural Casa das Artes, localizado ao lado da Basílica de Nossa Senhora de Nazaré, num projeto cultural denominado ciclo de desmontagem em artes cênicas, pude assistir CURUPIRÁ.
Adentro um espaço de uma sala de dança, porque possui espelhos na parede e o revestimento de linóleo (uma espécie de plástico preto que impede o chão de ficar escorregadio), como tenho certa formação em dança, ver sapatos no linóleo me causa um certo desconforto, os responsáveis pelo lugar deveriam orientar a plateia, e deixar que entrassem descalços.
Muitas cadeiras, me deparo com a inominável Wlad Lima (vê-la na plateia é de causar borboletas a mais no estômago de qualquer ator/atriz paraense que se preze), algumas figuras importantes do cenário teatral e dramatúrgico da cidade de Belém, como atores do Grupo GRUTA de Teatro, do inesquecível mestre Henrique da Paz, no caso Adriano Barroso, entre outros.
O cenário, os catedráticos chamariam de alternativo: uma escada de bombeiro no formato de um trapézio, objetos de cena típicos de cultura indígena, como apitos, cestos, paneiros, instrumentos com apitos, chocalhos e uma rede dispostos no chão conversam entre si juntamente com refletores emitindo meia luzes compõem a atmosfera do espetáculo.
Curupirá começa, um monólogo?, um experimento?, seja o substantivo que se queira dar, encenado pela Andrea Flores, que de fato domina o que faz, não só por saber o texto, mais do que isso por viver intensamente o que transmite de modo que tudo parece ser orgânico, conta histórias as quais descobriu ao experimentar crises existenciais ao sentir-se inadequada ao questionar os métodos de aprendizado da palhaçaria reproduzidos sistematicamente dentro de uma ótica norte americana ou eurocentrista e começar uma busca interna e depois externa por novas linguagens, na verdade linguagens desprezadas pelos colonizadores.
Em Curupirá, Flores leva à cena o resultado de três anos de pesquisa de doutorado em Artes pela Universidade Federal de Minas Gerais, na busca do que chama de comicidades das Amazônias de floresta profunda, entre povos indígenas amazônicos.
Nesse mergulho, viajou para os interiores do norte do Brasil, escutou, aprendeu e transformou todo esse material humano no espetáculo Curupirá.
Curupirá possui um cenário composto de objetos simples, porém ao longo da apresentação tona-se complexo, pois a atriz precisa manter o domínio do corpo ao mesmo tempo que narra as histórias e manipula os objetos. Curupirá é novo porque propõe caminhos diferentes quando provoca o riso através de histórias de raiz indígena o que o torna rico uma vez que o enredo mistura o drama com pitadas bem colocadas de um humor inteligente e refinado.
Curupirá, à medida que a atriz vai contando e desenvolvendo as narrativas, o público vivencia uma espécie de montanha russa de possibilidades emocionais, é levado a refletir, a chorar, depois a rir e pensar novamente.
Curupirá merece ter uma longa e produtiva jornada, todos os teatros se abram para esta obra, e que Flores continue inquieta, inconformada, curiosa, sedenta por, sobretudo, ouvir. Curupirá é um alento, um suspiro antimediocridade no tenebroso cenário de Santa Maria de Belém do Grão Pará vivido nos últimos tempos, porque um dia agente cansa!.
30 de maio de 2023
[1] Discente do curso de licenciatura em Teatro da ETDUFPA; participante da oficina de crítica teatral "Exercícios de escrituras", projeto Tribuna do Cretino.
Ficha técnica:
Pesquisa, encenação, dramaturgia e performance:
Andréa Flores
Assistência de direção:
Coletivas Xoxós
Laboratório de vivência háptica:
Iara Souza
Visualidade:
Iara Souza
Adereços:
Andréa Flores e Iara Souza
Figurino:
Andréa Flores
Iluminação:
Coletivas Xoxós
Assistência de Iluminação:
Vandiléia Foro
Fotografia e Design Gráfico:
Danielle Cascaes
Consultoria cênica:
Wlad Lima
Gerenciamento de Mídia:
Lucas Correa
Direção de palco:
Andréa Flores e Leoci Medeiros