"Ser ou não ser, eis a questão" – Por Raphael Andrade

12/02/2018

Espetáculo: Nômada.

Montagem de conclusão dos cursos técnicos da ETDUFPA - Cenografia, Intérpretes-Criadores em Dança e Figurino.

Raphael Andrade[1]

SER OU NÃO SER - A frase icônica de Hamlet no monólogo "Ser ou não ser", escrito pelo dramaturgo Shakespeare, extrapolou seu contexto e se tornou um questionamento existencial amplo, e, a meu ver, sintetiza o fazer de arte cênica contemporânea; ou melhor: pós-dramática; ou melhor: Arte(s) do século XXI; ou melhor... Bom, é preferível não procurar uma palavra certa para arte hodierna. A frase "ser ou não ser" aqui explanada, corrobora na fronteiriça da tríade interrogativa: O que é teatro? O que é música? O que é Dança? O que é arte? Para tentar fazer uma análise destas inquirições, não irei, nesta crítica, fazer um artigo científico. Muito menos, relacionar essas indagações com autores,(prefiro deixar essas indagações para os que quiserem fazer uma dissertação sobre a temática) meu intuito é apenas relacionar a tríade artística: teatro-dança-música, para instigar as diferenças e a símile entre as mesmas.

QUESTIONAMENTOS - Neste enfoque, começo perguntando: o que é arte? De modo genérico, respondo: É a linguagem com o intuito de expressar emoções e ideias. E teatro? Do grego théatron - "lugar de onde se vê". E quem assiste? Um espectador, obviamente. E assiste o quê? Pessoas interpretando/representando (ou não) personagens. Neste enredo, podemos sintetizar em ARTE DO ENCONTRO, no que se refere à dicotomia: espectador x atuante. E a música e a dança? Ora, vejamos mais minuciosamente: se um compositor faz uma música e guarda para si, é arte? A mesma pergunta vale para quem dança. Na minha visão, caso façamos música, teatro ou dança e não mostramos para o outro, não é arte. Outro exemplo para tentar clarificar: Se Leonardo Da Vinci, pintasse a "Giaconda" e a guardasse para si, não valeria de nada, ou seja, NÃO SERIA ARTE. Mormente porque este é justamente o encontro da obra com o público. Então, posso dizer que as mesmas têm algo em comum: a presença de um espectador no ato de contemplação artística. Mas posso estar errado...

INTERROGATÓRIO DA ARTE - E no âmbito das artes cênicas? Grosso modo: é toda forma de expressão que necessita de uma representação, como o teatro, a música ou a dança. Então, elas podem ser híbridas? Vejamos: Teatro musical é só teatro, ou também é música e dança? Ou seria uma trilogia híbrida? Performance é teatro; happening; body art ou action painting (ou seria uma manifestação das artes visuais)? Teatro "pós-dramático", é somente teatro; ou é performance/teatro? E dança contemporânea? Não é uma linguagem que se expressar por meio da dança? E o (a) artista teatral, não se expressa por intermédio do corpo (voz é corpo)? Então, porque motivos a separação do corpo que dança e do corpo que atua (Repito: corpo é voz)? E a Dança, na maioria das vezes, não necessita da música? É, senhoras e senhores, hoje, as artes de maneira geral, podem ser sintetizadas em multilinguagens. Porém, a necessidade de compreendê-las (no que tange às diferenças das mesmas) é de suma importância para a conceituação dos estudiosos de cada manifestação artística. Mas esse ainda não é o ponto este que não pretendo conceituar, apenas instigar.

NASCEDOURO E SUBVERSÃO - Voltemos no tempo da Grécia Antiga (a.C.). A partir da perspectiva histórica do que nos foi relatado sobre os festivais religiosos da Grécia antiga, alegado como nascedouro do teatro Ocidental em honra ao deus Dionísio. Nesses festivais (rituais?), as músicas entoadas pelo coro, dança e teatro não eram dicotômicas. No século VI a.C. um subversivo chamado Téspis, destaca-se do supracitado coro e declara ser o próprio Dionísio, ou seja, nasce o primeiro ator. Imaginem, agora, estarmos estagnados na época da Grécia antiga (mais ou menos 315 a.C.). O mote teatral era a mimeses e a catarse aristotélica. Não seria ótimo permanecermos nessa arte milenar? Claro... que NÃO! O que quero dizer é: o teatro foi se modificado através do tempo. Até aí, nenhuma novidade. Mas, continuemos com a arguição: a importância dessas mudanças, sobretudo no que se diz respeito a vanguardas, produzirá novos olhares (modos de ver e fazer) do fazer teatral. Incorporando hibridizações ou dicotomias, como o laboratório de Grotowski, o "teatro do oprimido", de Boal, "teatro ritual", de Artaud, "teatro Antropofágico", de Oswald de Andrade, "teatro pós-Dramático" de Hans-Thies Lehmann, "teatro dialético", de Brecht; da dança, as expressões minimalistas de Martha Grahan; "dança-teatro", de Laban, "teatro musical" que é teatro, música, opereta e ainda tem o... Já chega, né? Existem centenas de exemplos para serem dados, mas não é essa a proposta. Então, podes estar pensando: Onde eu quero chegar com todas essas questões?

Calma, maninho. Segue...

LUGAR DA FALA x OLHAR - Voltemos para a questão "Ser ou não ser". No que tange o lugar da fala, ou seja: de quem produz arte e de quem presencia. Esse detalhe, para mim, é o mais importante de toda essa discussão. O LUGAR DA FALA (de quem faz arte) deve ser respeitado e analisado de acordo com as suas especificidades artísticas. Partindo, desta visão, é o artista que deve se autointitular (ator, performer, dançarino, bailarino, pantomímico, dentre outros) conforme o que crê que está fazendo. PORÉM, abramos uma janela para o lugar de quem presencia. Assim como o artista pode autointitular seu fazer artístico, o mesmo processo desfruta o espectador, engendrado por reações, impulsões e conhecimento do que está presenciando/sentido. Portanto, há uma dicotomia de cada especificidade - de quem assiste e de quem realiza, e, neste choque de visões diferenciadas, o importante, a meu ver, é respeitar o olhar estético/artístico/cultural de ambos, pois como a arte é feita da simbiose - atuante/espectador - não se pode bater o martelo em uma "verdade absoluta" porque, à vista disso, cairia por terra a importância do outro no fazer artístico. Neste enfoque, gostaria de abrir um parêntese no que diz respeito a cognominação do espetáculo de dança "Nômada", pois o mesmo, na minha visão enquanto espectador, é DANÇA; mas também é TEATRO.

NÔMADA - É um espetáculo interdisciplinar dos cursos técnicos do 1º ano de Cenografia, Dança e Figurino da ETDUFPA. O referido espetáculo cognominado de dança contemporânea, tem como cerne o tratado da "nomadologia", dos filósofos Gilles Deleuze e Felix Guattari. Me refiro, de antemão, que escreverei colocando meu olhar sobre a obra a partir da sinestesia que o espetáculo me proporciona e me atravessa enquanto espectador.

Ao adentrarmos no teatro universitário Cláudio Barradas, nos deparamos com a escuridão das negras paredes absortas de um lugar não habitado pelos (des)humanos. Absolutamente nada de cenografia, a não ser as negras paredes laterais acopladas com a do teatro. Neste vazio, cria-se expectativas do que iremos ver em cena. Surpreendentemente, a pulsão criativa musical/expressiva, cria uma concepção de batalha, logo surgem os dançarinos-atores; ou melhor: intérpretes-criadores (termo usado na dança, no qual eu creio que possa ser empregado em outros fazeres artísticos, como ator e performer), numa espécie de entremeio teatro/dança no jogo cênico. Como referido anteriormente que "corpo é voz", em Nômada, o corpo fala mais que palavras, numa concepção de front de guerra, agitando-se em uma espécie de expressionismo alemão que corrobora no desatar do liame de corpos coreográficos. Portanto, a coreografia tem gênero estético dramatúrgico diferente do vocabulário do teatro, mas que não há distinção do intérprete enquanto estética do "teatro-dança". Tendo em vista que a maioria de seu elenco (repito: na minha visão) são"atores/dançarinos"com lastro nitidamente dramatúrgico.

No que se refere ao consistente figurino de cor ocre, com uma força imagética "enlameada" nos corpos, quase enfrentando o risco de prevalecer a imagética do mesmo sobre a gestualidade e a fisicalidade dos intérpretes-criadores, surte um efeito precioso do lugar da fala do nomadismo: "ser terra não fixada", mas em constante devir. Sem falar na presença cênica de dois intérpretes que interpretaram a música "construção" de Chico Buarque, com recortes de cenas e atuações com tamanha expressividade corporal e faciais, que muitos alunos do curso técnico em ator ficariam enciumados. TSC. TSC. Sem contar com o precioso auxilio dos recortes luminares, que davam ênfase nas sombras dos criadores (seria, portanto, teatro de sombras?). Relaxa, estou distraindo-os.

Ademais, o que pudemos ver no espetáculo supracitado no que se refere à concepção da arte hodierna, são as visões controvérsias no que se refere ao "LUGAR DA FALA X OLHAR de quem presencia", tentando conceituar uma estética inovadora/subversiva no encontro de duas linguagens (ou mais) artísticas, até então, resistentemente compartimentadas. Demolindo, desta maneira, a integração do movimento e das palavras que não são ditas, mas faladas na ação corpórea dos que estão em cena. No mais, respeito o excelente trabalho de todos os envolvidos e desejo que tenhamos mais terrenos arenosos de visões diferenciadas neste caminhar nômade que a arte se encontra. E que Dionísio os ilumine! Ou seria Pina Bausch? Eis a questão!

12 de fevereiro de 2018.

[1] Ator, performer e graduando em licenciatura em teatro, participante do minicurso de crítica teatral: "Por uma crítica menor".

Ficha Técnica:

Espetáculo:

Nômada

Direção Geral:

Paulo Paixão

Assistente de Direção:

Bento Sousa

Coordenadora de Cenografia e Figurino:

Ezia Neves

Figurinistas:

Juh Silva e Karla Santos

Assistentes de Figurino:

Mari Pinheiro e Adriana Trindade

Assistente de Cenografia:

Leonardo Pontes, Luiz Castro e Carlos Costa

Intérpretes-Criadores:

Alexia Lohany, Camila Abreu, Fernanda Santos, 

Gérson Frank, Jeff Neves, João Rocha, 

Joelly Pantoja, Jonatas Pardos, JohnyAviz,

Luiz Vilena, Nathalia Tavares, Robson Gomes, 

Rodrigo de Barros, Romário Mendes e Victor R.Lacerda.

Iluminação:

Carolyna Ferreira 

Desenho Gráfico:

Davi Almeida

Foto:

Juan Silva Foto

Divulgação:

Ana Castro