SINESTESIA – Por Karimme Silva

29/01/2018

Montagem Teatral. O Homem e o Cavalo.

Montagem de conclusão dos cursos técnicos da ETDUFPA - Cenografia, Figurino e Ator. 

Karimme Silva[1]

"Como poucos, eu conheci as lutas e as tempestades. Como poucos, eu amei a palavra liberdade e por ela briguei."(Oswald de Andrade)

Não há como negar o impacto histórico/cultural que o Movimento Modernista exerceu na sociedade brasileira. Este movimento, bem como o nome sugere, propõe uma ruptura com seus movimentos antecessores e é decorrente de uma enorme insatisfação política e artística. A semana de Arte Moderna de 1922 ocorre como um meio de romper com o tradicionalismo e consolidar novos padrões artísticos e estéticos, a partir de uma sociedade que fervilhava novas ideias, encabeçada por nomes como Manuel Bandeira, Oswald de Andrade, entre outros. Me atenho aos nomes da literatura, pois a partir da obra deste último, intitulada "O Homem e o Cavalo", há como traçar um paralelo entre o texto original e sua adaptação para o teatro, realizada pelas turmas do 2º ano em Teatro, Cenografia e Figurino da Escola de Teatro e Dança da UFPa. Partindo desta premissa, vieram algumas questões que me permearam enquanto espectadora: "Como reproduzir o Modernismo no Teatro?" "Qual a importância do texto, enquanto matéria-prima?" "Podem outros elementos cênicos sobressaírem ao texto e vice-versa?" Não nos preocupemos com respostas, mas com perguntas. Ao perceber o texto em cena, logo percebe-se o caráter do autor em interrogar a sociedade da época

Oswald não pode ser interpretado fora do seu tempo, pois ele, sem dúvida, escreveu assentado em seu chão histórico visto que sua trajetória literá­ria e pessoal nos indica tal caminho. O escritor não se dissocia do seu tempo e sua análise da socieda­de, via teatro, está permeada pela realidade mesmo que o escritor a travista de diferentes e específicos personagens, gêneros e situações. A sociedade da época se apresenta em sua obra, sendo representa­da a partir do escárnio do discurso carnavalizado e essa visão de mundo que comporta as contradições sociais propicia longevidade à sua produção. (RUBEL e MACIEL, 2013, p. 90)

"O Homem e o Cavalo" enquanto espetáculo teatral, propõe o impacto, através da gama de recursos visuais e auditivos. A disposição unilateral de plateia atenta para algo novo, diferente das já conhecidas arenas bilaterais. Sendo assim, o espectador não pode esperar menos que muitos estímulos; a dinâmica do espetáculo parece ser esta.

Não à toa, a cena que inicia o espetáculo marca a questão da antropofagia: corpos, ruídos, movimentos e contornos que sugerem esta urgência em romper com o tradicionalismo, com o já conhecido: este corpo como emissor de uma mensagem, como uma estrutura que transmite algo, sem dizer a palavra. Sentidos atentos.

EXPERIMENTAR parece ser o verbo que comanda a tônica teatral proposta. Um excelente trabalho desempenhado pela cenografia e pelo figurino enquanto transmissores de mensagem, enquanto parte fundamental do movimento (abro este parêntese para a capacidade criativa destes alunos/estagiários/professores que utilizam materiais simples e baratos para construir um novo mundo em cena - muitas vezes descartamos coisas que "não servem", mas o que seria mais Modernista que ressignificar o "velho" e transformá-lo em algo extremamente fascinante e funcional?). Confesso que fiquei absorta com a força dos cenários e vestimentas do espetáculo, esta força muitas vezes sendo maior do que os atores e textos. Em alguns momentos, o texto pareceu "engolido" pelos estímulos visuais e sonoros; pode ter sido uma proposta da direção. Caso tenha sido, funcionou.

O texto mescla a obra original e os regionalismos, como a presença de figuras e expressões locais, talvez uma forma de aproximá-la mais do público; questões políticas e sociais são expostas, bem como a questão da adaptação aos tempos atuais. A alusão às redes sociais do momento (instagram, twitter, facebook) coloca o espectador num nível de proximidade. É um texto atual à época em que foi escrito, e continua atual, falando sobre este presente-futuro vivido por todos nós. Uma forma de se enxergar como um homem ávido por novidades e também como o c4v4l0 d3 tr0i4.exe

Aqui a tecnologia, via artefato, desnuda uma sociedade de espetáculo e de entretenimento que se assemelha à sociedade brasileira. O artefato aqui parece autônomo dos homens, pois ocorre no cenário de modo independente. O artefato 'fala', tomando a posição humana. A tecnologia se sobrepõe ao homem. (RUBEL e MACIEL, 2013, p. 93)

Destaco o uso do corpo enquanto recurso cênico, não apenas a serviço do ator que o carrega, mas do espetáculo ao qual ele serve. Em muitos momentos o corpo desenhou seus movimentos enquanto personagens; em outros, o corpo foi cenário. A cena do barco traduziu o movimento corporal enquanto cena, enquanto cenografia. Os mais de 15 atores que eram o barco reproduziam a ideia de movimento, bem como os tripulantes do primeiro plano; o "enjôo" da viagem chega no espectador, são contornos que possibilitam o corpo enquanto transmissor, como já foi dito acima.

Em mais de 1h40min de espetáculo, acredito que o carro chefe de "O Homem e o Cavalo" foi sua visualidade cênica. A dinâmica dos atores em cena (principalmente na cena dos cavalos) contribuía para que este recurso fosse explorado; no entanto, o excesso de informações dentro da cena acabava por confundir mesmo o espectador mais atento. Estímulos visuais e sonoros com todo o elenco em cena acabavam por desnivelar o plano principal e a mise-en-scéne. A obra de finalização de disciplina arrematou por seus estímulos e passou a impressão de que: mais do que o que existe em cena, o que existe antes da cena, enquanto preparação e pesquisa, faz-se essencial para o resultado satisfatório de um processo. Modernices.

29 de Janeiro de 2018.

Referência.

RUBEL, Angela Maria Fanini; MACIEL, Aline Prado. O Universo Plural e Multifacético da Tecnologia na Peça O Homem e o Cavalo de Oswald de Andrade. Revista Repertório, Salvador, nº 20, p.89-101, 2013.1

[1] Atriz, Psicopedagoga, participante do minicurso "Por uma crítica menor".  

Ficha Técnica:

Montagem:

O Homem e o Cavalo

Direção de Atores e Encenação:

Paulo Santana e Marluce Oliveira

Direção de Visualidade:

Iara Regina

Criação de Sonoplastia e Cartaz:

Raphael Andrade

Operação e Criação de Sonoplastia:

Juliana Bentes.

Projeto de iluminação:

Bolyvar, Manu, Leo, Humberto e Luan

Operação de mesa de luz:

Bolyvar

Criação de Figurino:

Iara Mendonça, Isabella Vallentina, Rosiete Santos, Thais Sales.

Assistentes de Figurino:

Sônia Decolores, Juliana Bendes, Bruno Sacramento, Flávia Flor.

Criação de Cenografia:

Boliyvar Moreira, Léo Andrade, Luan Artpay e Manuela Dela. Humberto Malaquias.

Assistentes de cenografia:

Madu Santos, Paulo Bico, Winnie Rodrigues, Manuela Dela.

Elenco:

Aj Takashi, Jeff Moraes, Ysamy Charchar, Yuri Granha, Marvin Muniz, Loba Rodrigues, Igor Moura, Joed Caldas, Bonelly Pignatário, Felipe Almeida, Romana Mello, Luana Oliveira, Tarsila Amaral, Sandra Wellem, Hudson dos Passos, Ruber Sarmento, Enoque Paulino, Marina Lamarão, Renato Ferber, Helaine Sena, Marina Gusmão, Simon bayssat, Cinara Moraes, Enzo Burlos, Lucas Serejo, Valéria Lima,Leandra Lee.

Estagiários do Curso de Licenciatura em Teatro:

Isabella Valentina, Thiago Batista, Gabriel Luz,

Tais Sawaki, Raphael Andrade e Joyse Carvalho.