Tem dono esse jardim? – Por Elcio Lima

27/04/2023

Teatro de Caixa: Caixa de Poesia Leminski

Montagem: Coletivo de animadores de Caixa 

Elcio Lima[1]

Por séculos o teatro se baseou na estrutura identificada e descrita por Aristóteles em sua Poética, tomando-a como modelo reproduzido e padronizado, e que, por muito tempo, atendeu aos interesses e costumes de gerações sem nunca deixar de contribuir para a história da arte em cena e a cultura como um todo.

Contudo, o que antes possa ter sido apenas registro de elementos que se repetiam, tornou-se um apanhado sistematizado de regras que, grosso modo, receberam do senso comum ou dos "cabeças da arte" ao longo do tempo, a alcunha de leis, sob as quais todo processo criativo em teatro deveria passar por sua régua. E o que acontece com o que fica de fora da medida ideal? Despertando estranhamento e até mesmo repulsa, muito do que se produzia (e aqui fico na dúvida se nos cabe o pretérito) chegava ao ponto de não ser considerado teatro e, como a erva daninha que rapidamente é arrancada de um jardim, muito da teatralidade contemporânea ainda desperta sentimentos de que há algo estranho no ninho (ou no jardim).

Culpa de Aristóteles? Teria ele semeado um jardim planejado para sufocar outras espécies que pudessem surgir?

Em seu mais recente trabalho intitulado Caixa de Poesia Leminski, Edson Fernando se vale de uma atuação deveras natural e empática, em cenas cujo tom confessional torna o momento único e capaz de nos fazer questionar se ali há de fato uma atuação ou a simples vida a transcorrer, costurando momentos por meio da prosa despretensiosa e rica da singela e pungente poesia de Leminski. A encenação de Fernando cria uma atmosfera de tranquilidade, como uma pausa na vida corrida, um respiro fundo, o ato de contemplar o belo ao acaso. Comparo a experiência como quando se vê uma borboleta azul atravessar a trilha e então tu ficas admirando o bailado sinuoso ao sabor de uma brisa leve até perdê-la de vista, mas com a sensação boa fotografada na retina.

Extremamente sensorial, Caixa de Poesia Leminski confronta quem assiste com uma espécie de afago, um presente constituído por cada elemento e adereço escolhido pelo artista: a música, o perfume inebriante, na colagem de palavras e flores de papel do encantador dispositivo usado em cena, nos marcantes jogos de palavras do poeta paranaense e pelo ambiente em si (no meu caso, o jardim do Casarão dos Bonecos, na 16 de Novembro, Batista Campos, Belém).

Duas pessoas, incontáveis possibilidades. Um espaço alternativo, uma delicada relação com início meio e fim, como descrevera Aristóteles, mas sem a aura pesada da padronização. Que se danem os padrões! Teatro é vida disforme. Criatura que não se conforma. Teatro é a coisa que fala dentro de alguém, que logo vai compartilhar com outros o que sentiu.

Ali, no jardim do Casarão dos Bonecos, outro marco da cultura paraense, percebi que não cabia questionar se aquilo era ou não teatro. Entrementes, a cidade fervilhando na tarde modorrenta que me empurrava para uma nova crise de ansiedade, a poesia se fez semente pelas mãos e voz do artista, reverberando sensações primeiras por meio do fator surpresa, do silêncio, das ruminações, do olhar sincero e despido de quem, envolto pela aflição de um dia ainda em marcha, percebia que, no jardim de Aristóteles, sempre cabem novas flores, hoje sob o cuidado de muitas, criativas e sensíveis mãos. Com Fernando, neste delicado trabalho, tu podes colher muitas delas para enfeitar a vida que segue seu curioso e imprevisível curso.

27 de abril de 2023

[1] Elcio Lima é ator, diretor e autor de contos e dramaturgias. Atualmente estuda Licenciatura em Teatro e Figurino Cênico, ambos pela ETDUFPA. Colabora com o projeto de pesquisa "O Clown Nosso de Cada Dia" e integra o projeto de extensão Tribuna do Cretino.

Ficha Técnica:

Caixa de Poesia

Leminski

Encenação e Atuação:

Edson Fernando

Suporte:

Amor

Edson Fernando

Arte Externa:

Aníbal Pacha

Patrocínio:

O Bolso dos Idealizadores

e mais ninguém!!!