TRÊS. TRÊS? TRÊS... – Por Hudson Andrade.

10/05/2025

Montagem Dança-Teatro: TRÊS

Montagem: Teatro de Apartamento

Hudson Andrade[1]

3 é o número do equilíbrio, da criatividade e da completude.

Três (2025) é o espetáculo dirigido por Saulo Sisnando, do Teatro de Apartamento, que homenageia Violetango (1993), da Companhia Atores Contemporâneos, com direção de Miguel Santa Brígida.

Convenhamos, é preciso lançar mão de muita criatividade para homenagear uma obra por si só imensa. Foi o espetáculo da Atores Contemporâneos que mais participou de festivais, recebeu vários prêmios e foi apresentado nas celebrações do aniversário da companhia em 2002, 2004, 2005 e 2006 (Barradas, 2014). Criatividade porque homenagear não é imitar, reproduzir. Saulo não desejava uma remontagem, mas um espetáculo novo, autoral, onde ele pudesse expressar sua paixão por Violetango. Paixão que move os personagens de um e de outro espetáculo. Paixão que é o fio condutor de ambos. Violetango está inserido no Teatro do Movimento de Santa Brígida, assim chamado porque havia uma indefinição do que seria a poética da Atores Contemporâneos: Teatro? Dança? Dança-Teatro? A dança teatral, ou em alemão Tanztheater é um movimento artístico surgido na Alemanha nos anos 1930 a partir das pesquisas e processos de Rudolph von Laban (1879-1958), Mary Wigman (1886-1973) e Kurt Jooss (1901-1979) que desejava criar uma forma de arte que englobasse as exigências do teatro e, que, dessa forma, só poderia ser dançada. O Teatro do Movimento de Santa Brígida é um "profundo depoimento cênico corpóreo fundamentado no trabalho expressivo do corpo no espaço e para o espaço" e Violetango se situa na "ausência da palavra, da linguagem corporal na rua, na praça, no espaço aberto". Três está nesse hibridismo e traz teatro, dança e também a palavra, em off, de cada atuante.

Em cena, a bailarina Luísa Monteiro e os atores Leoci Medeiros e Alex Vilar formam, deformam, transformam, reformam "em caos e desespero" – palavras do diretor – relacionamentos. Ou um relacionamento. Fiz questão de pontuar "bailarina" e "atores" para situar o lugar de onde cada atuante parte e se disponibiliza para a montagem. Assim, Leoci tem uma corporeidade mais orgânica, riscando o palco com naturalidade com seu corpo longilíneo. Vilar é mais contido, duro. Não digo isso enquanto técnica de dança, mas porque há uma tensão algo excessiva em seu corpo. Luísa flui entre os dois como a água que, ao final, inunda a cena e faz umedecer essas relações que são quase intensas. O quase fica por conta de uma incompletude. Três propõe relações amorosas entre dois homens e uma mulher. Enquanto entre Luísa e Leoci há um furor, entre Alex e Luísa há novamente uma contenção, como se os abraços e beijos não fossem para ser. O caldo entorna entre Leoci e Alex. Existe quase uma violência quando apesar do contato físico há como que uma exigência tipicamente masculina de um submeter o outro sem que ninguém ceda. Não há intimidade. E não há beijo. Obrigam-se os dois atores, dois homens, ao beijo? Não. Esse beijo, em havendo, seria uma simplória artimanha para atrair público? Dificilmente. Esse beijo faz parte da narrativa e é esperado? Sim, e ao não ocorrer, frustra. Decepciona porque se vai construindo uma história e se não lhe dá termo. E a ação fica no ar...

Assisti Violetango no Waldemar Henrique. Não lembro o ano. Em cena, Cei Mello, Roger Paes e Edson Fernando eram Ela, Ele e o Outro. Guilherme Repilla era o Condutor do Drama, o único intérprete que nunca foi substituído no elenco por onde passaram Ricardo Risuenho, Cláudia Messeder, Silvia Leão, Francy Moura. Era um misto de estranheza e fascínio que fez com que eu me aproximasse e tivesse a honra de escrever para a Atores Contemporâneos. Reconheço em Três também uma força, seja na trilha sonora não linear, mas caminho; nas garrafas de náufrago que nos fazem desejar saber que pedidos trazem e, sobretudo, na dramaturgia não verbal que convida a que nos apaixonemos do jeito que for.

Saulo tem sido profícuo em sua produção teatral e seu Teatro Casa um espaço cênico e cultural importante. Numa cena contemporânea com tantas interfaces sendo propostas, tantas interseções, hibridismos e linguagens se inter-relacionando, Três se coloca como uma obra consistente, porque essa mescla não me parece gratuita, diletante.

Sisnando criou um espetáculo que faz jus ao homenageado que no conjunto por fim se equilibra na beleza triste e implacável com que as paixão chegam ao fim.

10 de maio de 2025.

[1] Ator e diretor teatral. Participante do Minicurso "Crítica teatral e semiótica: estudos introdutórios" promovido pelo projeto de extensão TRIBUNA DO CRETINO;  

Ficha Técnica

TRÊS

Elenco:

Alex Vilar, Leoci Medeiros e Luiza Monteiro

Direção:

Saulo Sisnando

Dramaturgia:

Saulo Sisnando

Operação de efeitos sonoros:

César Augusto Rocha

Iluminação:

Matheus Caê

Cenários:

Flávio Ramos Moreira

Figurinos:

Grazi Ribeiro

Coreografia:

Criação Coletiva

Apoio e Contrarregragem:

Luana Paranhos

Registro Fotográfico:

Michel Ribeiro e Saulo Sisnando

Produção Executiva:

Flávio Ramos Moreira

Realização:

Teatro de Apartamento

Agradecimentos:

Luiz Thomaz Sarmento, Edson Aranha, Maby Aires, Mariana da Paz, Claudia Messeder, Marcelo Morges, Carmen Sisnando, Marina Dahas, Miguel Santa Brígida.